O Espírito do Ateísmo

O Espírito do Ateísmo André Comte-Sponville




Resenhas - O Espírito do Ateísmo


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Antonio Luiz 14/03/2010

Enfim, um ateísmo com profundidade
O fato de que mais pessoas assumam abertamente seu ateísmo e livros sobre o tema se tornem best-sellers tem de positivo, no mínimo, uma redução do teor de hipocrisia ambiente. Entretanto, livros como os do britânico Richard Dawkins, zoólogo e de seu compatriota Christopher Hitchens, escritor e crítico literário, não dão uma idéia muito elevada do pensamento ateu ou de sua capacidade de persuasão.

Tais obras são bem fundadas em termos de ciências naturais, mas estão demasiado desinformadas em relação à história, à filosofia e à antropologia da religião para construir uma crítica que soe pertinente a crentes inteligentes. Tais autores declaram essa categoria irrelevante, como se toda a religião se reduzisse ao fundamentalismo e bastasse refutar Adão e Eva para pôr abaixo milênios de fé e de complexas elaborações éticas e metafísicas. Um paradoxo, pois aqueles para os quais a crença literal no Gênesis ou no Alcorão é indissociável da religião são os que menos darão atenção a seus argumentos.

Essencialmente, autores como Dawkins pregam para os convertidos, para estimulá-los a “sair do armário”. Tanto para os ateus menos preocupados com a opinião alheia, quanto para os religiosos abertos ao debate e para aqueles que têm dúvidas sinceras e profundas, tais obras são rasas e pouco relevantes.

É um ponto de vista bem diferente o do filósofo francês André Comte-Sponville. Em "O Espírito do Ateísmo", consegue convencer o leitor de que um ateu pode ser não só inteligente e cientificamente bem-informado, como também culto, profundo e sensível.

A primeira parte do livro, “Pode-se viver sem religião?”, talvez seja a menos satisfatória. Sua resposta é que não faz diferença alguma, o que não é lá muito animador e nem sempre é totalmente crível.

Conta a história do hipotético pai que perde a fé em Deus, mas avisa aos filhos: “no que diz respeito aos valores que procurei lhes transmitir, nada se altera: conto com que vocês continuem a respeitá-los”.

Naturalmente, não é por deixar de ser crente que alguém deveria inverter todos os seus valores – muitos deles tiveram ótimas razões para serem adotados – mas, quando se acredita que a moral existe apenas como necessidade humana e não como decreto divino transcendente, é de se esperar uma atitude mais crítica e racional, a relativização ou mesmo abandono de algumas regras tradicionais e talvez também a revalorização e mesmo a invenção de outras.

Comte-Sponville admite que sua posição em relação a preservativos e homossexualidade não é a da moral cristã tradicional, mas insiste: nas “grandes questões morais”, crer ou não nada altera de essencial. Na medida em que fala por suas escolhas e convicções pessoais, nada a objetar, mas não se vê como se poderia fazer disso um princípio universal.

O filósofo francês acredita-se comprometido com os valores tradicionais do Ocidente cristão, mesmo se não com a fé cristã. Mas é escolha sua essa fidelidade à tradição e ao passado, que compara explicitamente com a piada do rabino que se tornou ateu, mas ainda assim continua com as preces rituais, pois “que tem Deus a ver com isso?” Se tivesse nascido na China, Índia ou África, admite, seu caminho seria diferente.

Mas também o leitor latino-americano pode ficar em dúvida sobre se o pensamento do filósofo lhe é aplicável. Nestas terras parte índias, parte africanas, faz pouco sentido a fidelidade exclusiva à tradição ocidental cristã, um entre outros ingredientes de um sincretismo ainda por estabelecer e consolidar, inclusive na esfera dos valores... Mas por que também um europeu não poderia, à maneira de Voltaire e Montesquieu, relativizar essa monogamia ético-histórica e aceitar ter algo a aprender com os valores de outras culturas?

A troca da “fé” pela “fidelidade” é pouco promissora, se não se distingue este segundo conceito do mero conformismo. Com ou sem fundamento, a fé no cristianismo – como o islã e no budismo, em suas respectivas esferas de influência – contrariou valores e costumes preexistentes e impôs novos, e é razoável pensar que isso nem sempre é ruim. Seria paradoxal se o ateísmo desarmasse o pensador da possibilidade de criticar em profundidade a cultura na qual se criou.

Mais interessante é o chamado de Comte-Sponville a abrir mão da esperança no sentido teológico da palavra, ou seja, de uma vida eterna e infinitamente bem-aventurada. Propõe, em seu lugar, um alegre desespero: nada é para esperar, tudo é para fazer, no que depende de nós, ou para amar, no que não depende. É o contrário do niilismo, pois os niilistas não são desesperados e sim decepcionados – e não há como se decepcionar a não se em relação a uma esperança prévia.

A segunda parte do livro trata dos argumentos relativos à existência ou inexistência de Deus. Onde Dawkins, por exemplo, limita-se a descartar os tradicionais argumentos em favor da existência de Deus em três páginas como “tolos”, sem chegar a compreendê-los, o francês os discute e refuta no plano filosófico, como deve ser.

Em seguida, passa aos argumentos do ateísmo. Nada de noções de ciência para principiantes, mas sim pontos que vão ao fundo das razões filosóficas e psicológicas da crença. Por exemplo, a existência do mal, pelo qual nem só a humanidade é responsável. A mediocridade do ser humano, que não permite fazer uma idéia muito elevada do ser supostamente onipotente que o criou. E seu próprio desejo de um Deus, que torna suspeito todo impulso religioso como confusão entre desejo e realidade.

A terceira parte é, talvez, a mais interessante. Discute espiritualidade atéia, coisa de que Dawkins reduz ao senso de maravilha ante a complexidade do Universo e Hitchens sequer cogita. Comte-Sponville reconhece a experiência mística e o sentido espiritual do confronto com o infinito, a eternidade e o absoluto, dando-lhe o seu devido lugar – não o primeiro no mundo, mas o mais elevado no ser humano. Não se trata da consideração intelectual das leis da natureza, mas de um estado de consciência particular, de um sentimento espontâneo de paz, união e pertencimento.

Experiência silenciosa, mas que pode ser descrito como suspensão da banalidade, do já conhecido, pensado e dito, deixando-nos à frente com o novo, com o singular e com o mistério que é, ao mesmo tempo, a evidência do ser. Suspensão também da carência e da cobiça, permitindo o contato com a liberdade e a plenitude. Suspensão do ego e seu discurso, abrindo à experiência da unidade, simplicidade e verdade. Colocação entre parênteses da expectativa e do medo, do passado e do futuro, para que se possa constatar a serenidade e a eternidade.

O sentimento, enfim, de que não se precisa esperar pelo Reino, pois já estamos nele. É o Pentecostes dos ateus, ou o verdadeiro espírito do ateísmo, diz o filósofo: não o Espírito que desce, mas o espírito que se abre e se regozija. Não é a verdade e o absoluto que são amor, mas o amor que, às vezes, é verdadeiro e nos abre para o absoluto.
Joel Premiani 03/10/2015minha estante
Valeu Antonio. Sou Cristão, mas prefiro ler obras de vertentes cristãs e não cristãs para conhecer os pontos de vista e procurar compreende-los. Já estava querendo este livro e depois de sua franca e ótima abordagem o desejo mais ainda. Muito grato pela tua disposição em nos informar.




paulo.magalhaes 20/12/2020

O livro é bom, mas eu esperava mais
No 1° capítulo, ele define a religião em dois modos: um mais amplo e outro mais restrito, o que achei interessante.
O que talvez me incomodou foi ainda uma tendência metafísica em sua visão de vida e de mundo, no sentido de uma espiritualidade que ele julga imanente, mas que eu ainda a considero transcendente em alguns aspectos.

O capítulo 2 foi o que mais gostei.
Não traz nada de muito original, mas apresenta ótimos argumentos que foram criados ao longo da história sobre a existência de Deus e os motivos para não aceitar tais argumentos, além de bons argumentos a favor do Ateísmo. Mas, como disse, nada original, mas muito bem explanado e reunido.

O capítulo 3 me causa a mesma impressão do 1°: ainda há resquícios de metafísica em sua visão ateísta de mundo.

Não que não possa ter, afinal, é uma visão de mundo possível, mas não me indetifiquei com ela.

Achei também sua crítica ao niilismo um tanto superficial (talvez ele explore isso melhor em outros livros), já que não existe uma única forma de niilismo.

Enfim, um livro que gostei por apresentar argumentos sobre a existência ou não de Deus, mas que carece, em minha perspectiva, de um olhar mais "radical" acerca da vida sem religião e sem a crença em Deus.

Me pareceu mais um ateísmo que insiste em estar preso a crença religiosa e que ainda não aceita "viver a vida tal como ela é", como diria Nietzsche.
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