Livros da Julie 11/09/2020A influência que sobrevive ao tempo-----
"Parecia-lhe uma bobagem tão grande - inventar diferenças quando, bem sabem os céus, as pessoas já eram bastante diferentes sem isso.
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"Não se podia dizer o que tinha vontade."
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"paisagens distantes parecem sobreviver ao espectador um milhão de anos"
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"Como alguém julgava os outros, avaliava os outros? Como juntava isso e aquilo e concluía que gostava ou desgostava da pessoa? E essas palavras, que significado tinham, afinal?"
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"nossas aparências, as coisas pelas quais nos conhecem, são meras puerilidades. Por baixo é tudo escuro, é tudo espraiado, é insondavelmente fundo; mas de vez em quando subimos à superfície e é assim que aparecemos e somos vistos."
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"não existe razão, ordem, justiça, mas sofrimento, morte, pobreza. Não havia traição que o mundo não cometesse; (...) Nenhuma felicidade durava"
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"E de novo se sentiu sozinha na presença de sua velha adversária, a vida."
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"Para que viver? Por que, a pessoa se perguntava, ter todo esse trabalho para a espécie humana continuar? É assim tão desejável? Somos atraentes como espécie?"
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"as amizades, mesmo as melhores, são coisas frágeis. As pessoas se afastam."
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"uma mulher, saberia como lidar com isso. Era um descrédito imenso para ela, sexualmente, ficar ali calada."
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"Qual era o significado da vida? Era isso - uma pergunta simples; uma pergunta que com os anos tendia a se confinar dentro da pessoa. A grande revelação nunca viera. A grande revelação nunca viria, talvez. O que havia eram pequenas iluminações e milagres cotidianos, fósforos que se acendiam inesperadamente no escuro"
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"Quem sabe o que somos, o que sentimos? Quem sabe mesmo no momento de intimidade, Isso é saber?"
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"Pois nada era simplesmente uma coisa só."
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"O amor tinha mil formas."
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"como poderia amar a humanidade alguém que não sabia diferenciar um quadro do outro"
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"Metade das opiniões de alguém sobre as outras pessoas eram, no final das contas, grotescas. Atendiam a finalidades próprias."
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Ao Farol é o décimo primeiro livro do projeto #Virginiando2020, promovido pela @naneandherbooks (@virgi.niando) e o quinto romance da autora.
O Sr. e a Sra. Ramsay costumam passar o verão no litoral da Ilha de Skye, na Escócia, onde alugam uma bela casa para comportar seus 8 filhos e os vários hóspedes que recebem ano após ano. A ida ao farol é sempre um dos momentos mais aguardados da temporada, especialmente por James, o filho caçula.
Nesse lugar idílico, à beira da baía e com vista para o imponente farol, as personagens vivem momentos de paz e reflexão enquanto passam seus dias nas mais costumeiras atividades: o crochê, a pintura, a leitura, jogos ao ar livre. Mas a atmosfera de tranquilidade e encantamento apenas encobre um mar de inquietudes e inseguranças.
Com uma ambientação magnífica de tão realista, com janelas e portas abertas em meio ao suave frescor da maresia e ao som das ondas quebrando, Virginia expõe dramas familiares e sociais que acontecem no universo dos pensamentos de cada indivíduo. Somos levados a perceber que a real personalidade de cada um, seus gostos, suas preferências, suas opiniões e seus valores são a parte submersa de um iceberg, do qual só conhecemos verdadeiramente uma ínfima parcela, representada pelo que é efetivamente dito ou demonstrado em público. O que se passa no íntimo das pessoas está muito distante das aparências em uma mesa de jantar ou em um passeio pela praia. A autora nos brinda com panoramas psicológicos altamente complexos durante os momentos mais banais.
Ao nos dar um vislumbre dessa família modelo, Virginia aproveita para fazer suas críticas aos costumes e às grandes diferenças entre as classes sociais, que resultavam em cada vez mais miséria e desemprego. A guerra também é um tema marcante, que divide a história em um antes e um depois.
Por meio das perspectivas da Sra. Ramsay, como mulher casada, e da amiga da família Lily Briscoe, solteira, Virginia nos mostra os diferentes vieses da relação entre marido e esposa, ao mesmo tempo em que põe em xeque a instituição do casamento como o remédio para todos os males, como a grande salvação da lavoura para garantir a felicidade de homens e mulheres. A Sra. Ramsay tem plena consciência de que é muito mais do que uma esposa e uma mãe. Isso não a define. Mas ela também compreende que tem um papel a desempenhar naquela sociedade e o aceita, apesar de continuar se questionando a respeito e sonhar com outras possibilidades. Lily Briscoe, por sua vez, entende o que se espera de uma mulher, mas acha que ficará melhor sozinha e quer fazer valer sua vontade.
Além da premissa inicial, a história não tem um rumo definido. Seguimos acompanhando os altos e baixos das personagens, seus lampejos de genialidade, seus arroubos de autoconfiança, seus períodos de desalento e carência, seus apelos por atenção. Alguns são eternos deslocados, em outros é visível a relação de dependência.
Nesse romance tão poético e pungente, com um grupo tão heterogêneo, mas que retrata um apanhado de tudo que há em nós, o tempo é um personagem à parte. Sua passagem é marcada nas rugas, nos jardins, nos móveis e na casa. Ele não apaga os traumas, mas pode aliviar suas dores. Em futuro desconhecido, incerto, instável, algumas pessoas causam tamanha impressão que sobrevivem ao tempo e se tornam influências definitivas pelo resto da vida.
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