Luis 27/04/2020
Silvio além da mitologia.
Até alguns anos, poucas personalidades brasileiras eram ao mesmo tempo tão familiares e desconhecidas dos brasileiros como Silvio Santos. Durante décadas, o onipresente apresentador, mestre de cerimônias dos intermináveis domingos televisivos, tinha sua trajetória de artista e empresário envolta em inúmeras lendas e mitos, que, com a sua pouca disposição de dar entrevistas e depoimentos, foram reforçados e deturpados com o passar do tempo. Aos pesquisadores e curiosos, como esse que vos digita, que se interessavam sobre o tema, até o ano 2000 só contavam com duas fontes bibliográficas para consulta : a velha biografia chapa branca de Arlindo Silva, jornalista que, quando atuava em O Cruzeiro, no final da década de 60, começou a publicar matérias sobre o então fenômeno de audiência paulista desconhecido no resto do país e que foram transformadas no livro “A Fantástica História de Silvio Santos”, publicado em 72 e somente reeditado em 2000; e o excelente ensaio acadêmico “O Circo Eletrônico”, da professora de Comunicação Maria Celeste Mira, que estudou a cultura popular através dos programas de auditório e usou Silvio como case nesse trabalho de 1989.
Com a chegada do século XXI o panorama mudou e , além de vasto material disponível na internet, outros autores se debruçaram sobre a história daquele que pode ser considerado, sem juízo de valor em relação à sua atuação, como o maior comunicador do país. Infelizmente, a maioria absoluta desses títulos, são dotados de um amadorismo constrangedor, quase um copia e cola do google, com raso valor informativo ou literário. “Topa Tudo por Dinheiro” (Todavia, 2018) é uma honrosa exceção.
Para começar, a obra é assinada por Mauricio Stycer, um dos mais respeitados especialistas e críticos de televisão. Gente séria e do ramo, longe do oba oba de fofocas que caracterizam a atuação de boa parte dos jornalistas do setor. Acrescente-se a isso, a proposta de se fazer um livro único no trato objetivo da trajetória de Senior Abravanel, baseando-se em fontes rastreáveis e confiáveis, desfazendo os muitos mitos e lendas que embotam a sua biografia oficial. Em suma, Stycer fez jornalismo, algo praticamente inédito nas obras sobre o apresentador.
Embora o objetivo não seja o de ser a esperada biografia definitiva de Silvio, algo que ainda deveremos esperar por algum tempo, “Topa Tudo por Dinheiro” cumpre com folga o papel de item bibliográfico mais relevante sobre o dono do SBT, leitura essencial a todos que se debrucem sobre o assunto. Há um distanciamento, impossível por exemplo no best seller de Arlindo Silva, que quando saiu de “O Cruzeiro” trabalhou com Silvio por décadas, que permite analisar de forma fria os aspectos controversos de sua atuação como artista e empresário, em especial a sua relação, pra lá de amistosa, com o governo. Qualquer governo.
Outros temas que passam ao largo dos livros chapa branca também ganham destaque aqui, como as relativamente recentes trapalhadas envolvendo o banco Pan Americano, de sua propriedade, e que faliu após a descoberta de um rombo. A fabulosa história da origem do baú, tantas vezes publicada, é também tratada com uma avaliação crítica até então nunca aplicada. Apontando inconsistências e incoerências até hoje pouco esclarecidas.
Assim, ao longo de quase 250 páginas, Mauricio Stycer coloca sua lupa de analista sobre a vida e a carreira do velho Abravanel. Em seus mais de 60 anos de carreira, Silvio Santos se tornou uma das figuras mais populares do país. “Topa Tudo por dinheiro” pode ser o primeiro degrau para que possamos de fato vir a conhecê-lo.