MatheusPetris 06/05/2021
Viver durante a gravidez prejudica o bebê
No texto "A vida ao rés-do-chão", Antonio Candido assinala o seguinte sobre a crônica: "nós verificamos meio espantados que a sua durabilidade pode ser maior do que ela própria pensava." Cravado. Nessas crônicas publicadas no final da década de 90 na Gazeta do Povo e, posteriormente, reunidas em livro no ano 2000, Jamil Snege confirma a perenidade deste gênero. Vinte e um anos depois, cá estou eu, lendo, relendo e comentando sobre elas. Custei muito a encontrar uma edição a um preço acessível. Elas não só se mantêm atuais como gênero, mas, principalmente, em conteúdo. Suas ácidas (e muitas vezes cínicas) críticas são espantosamente contemporâneas. De lá pra cá, Curitiba – e não só ela – só piorou.
Se o leitor esperar qualquer tipo de provincianismo ou, no sentido oposto, um cosmopolitismo, em ambos os casos irá esbarrar num entrave. Não é que Curitiba não seja palco dos sagazes comentários irônicos de Snege, só não se encontram em primeiro plano. Ela existe. Seu autor existe (ou melhor, resiste) plenamente sobre ela. Até pode ser um ponto de partida, mas nunca o de chegada. É através das bifurcações dessa cidade tão cheia de si, que Jamil vai percorrer, perscrutar (a si e aos outros) as contradições inusitadas de quem se entristece por ser rico. A ironia de Jamil não só beira, como arranha o deboche, está sempre atenta, atinada. Talvez seja essa sua forma de conseguir encarar o dia-a-dia.
Não é só Curitiba que invisibiliza o artista: aquele que escolhe o destino e recusa a carreira. É uma estrutura social endêmica. Todavia, partimos daqui para o mundo. Não lembro onde li, mas alguém falava que “para alcançar o universal, é preciso partir do particular”, eis aqui, a encruzilhada. Muitos acreditam ser o inverso, motivo que considero fulcral de tanta arte amorfa, insossa e desprovida de qualquer pathos. Por sorte, temos Jamil.
Nas deambulações pela cidade e nos encontros fortuitos com figuras tão simpáticas, nos deparamos com outras máscaras, além da irônica do narrador de Snege. As máscaras de que falo, são as sociais, aquelas impostas por uma estrutura aquém do prosaico. Elas chegam até nas férias, na famigerada descida ao litoral. O ápice da alegria proletária. Entretanto, não é assim que Jamil a enxergava...
A solidão e incompreensão de Jamil não são uma escolha, são obras do destino. É o caminho inevitável de quem soube se lançar no mundo da escrita e da arte. Escrita viva e pulsante, sempre sarcástica e sardônica. Para que levar o mundo a sério, quando nem ele mesmo se leva?