Laís Quintela 14/08/2024Forçoso e apelativoEm Reparação, o Ian McEwan se esforça para criar uma narrativa chocante e apelativa. Digo se esforça porque tal esforço é notório. A maneira exagerada com que o autor busca descrever cenas, cores e ambientes dão uma sensação de artificialidade, como se a sua escrita fosse ensaiada.
Via de regra, não me incomodo de acompanhar pensamentos aleatórios dos personagens secundários, sinto que muitas vezes isso acrescenta profundidade à trama. Contudo, em Reparação, toda a enrolação da primeira parte é desnecessária. Sequer o estilo de narrativa se mantem, o que causa a impressão de que o livro foi escrito por várias pessoas diferentes. De que vale entupir o primeiro terço da obra com detalhes interessantes (como a relação da Emily com o marido e a irmã, o impacto do divórcio dos pais na vida dos gêmeos) que não serão minimamente aproveitados?
A mentira da Briony não sustenta o enredo do livro. Em determinado ponto da trama, o crime cometido por ela soa como uma lembrança distante. É evidente que o autor busca apelar para guerra para tocar o coração do leitor, mas o faz de forma rasa. Diferente daqueles que adoraram o livro, não fiquei tocada pelas descrições do Robbie na segunda parte, assim como não tive grandes emoções lendo o terço final da obra, na qual a Briony, enquanto enfermeira, lida também com os horrores da guerra. E não porque eu sou difícil de me emocionar ou algo do tipo, apenas não achei o tópico bem desenvolvido, mas sim apelativo.
Achei ridícula a tentativa do escritor em transformar o fato de que era Paul na fatídica noite um plot, isso sempre esteve evidente e a tentativa de fazer o leitor enveredar por um raciocínio que culpasse o Hardman é pobre demais.
Outra coisa que muito me incomodou foi que nos submetemos durante toda a leitura a uma série de descrições prolongadas e informações irrelevantes, porém, quando chegamos num ponto crucial da obra, no qual a Briony deveria justificar o porquê de ter, já adulta, a certeza de que não foi Robbie o responsável pelo abuso, e esta se limita a dizer que cresceu. Apenas. Mais nada. Nenhum desenvolvimento acerca do que se propõe a ser o tema principal do livro.
Diferente do que insistem em sustentar os fãs do livro, é praticamente impossível de acreditar que a Briony sente um verdadeiro remorso pelo que fez. Falar em trauma, então, é ainda mais exagero e totalmente descabido. Como disse, em algumas partes sequer é lembrado a mentira contada pela protagonista. Por fim, na parte final do livro, em que percebemos a grande metalinguagem da obra, fica ainda mais evidente que trata-se de uma personagem mimada e que se tem em alta estima, pois ela jura que estará reparando o erro cometido publicando um livro contando a verdade, mais de sessenta anos depois do ocorrido, quando todos já estiverem mortos, incluindo a si própria. Me poupe!
E deixo registrado a minha indignação pelo Robbie e a Cee da ?vida real? terem morrido separados, o romance entre eles foi o que sustentou boa parte do livro e a decisão do autor de matar os personagens pra mim é mais uma de suas inúmeras tentativas forçosas de apelar ao emocional do leitor. Para mim, não colou, só senti ódio.
Em suma, mais um livro que, de certa forma, é inteiramente narrado por uma única pessoa, que não é digna da mínima confiança.