Gabriel Abib 24/02/2024
O Maior Romance da História: A criativa, porém chata, ode a cornice de Tolstói
Livro árduo de ler, mais ainda para descrever. Leitura cansativa de uma obra robusta e que dependendo do leitor, pode ser muito difícil sustentar o interesse na trama. Vou dividir essa resenha em 3 pontos: 1. Análise do texto/redação/edição, 2. meu veredito em relação ao conteúdo dramático, 3. temas diversos jogados na trama para debate, não todos, pois são vastos demais.
1. Pra quem tem medo de livro russo, geralmente por causa do Dostoiévski, pode se jogar tranquilo, a linguagem é bem acessível e não há nada a temer, uma coisa constante aqui são frases em outros idiomas, principalmente o francês, a língua usada pela alta sociedade para que a criadagem não os entendesse, todavia, a ótima tradução da Companhia das Letras abarca tudo isso, contendo muitas notas de rodapé, logo, você não perderá nada. Em relação a edição, fica o registro que as letras são BEM pequenas, então são 800 páginas grandes com muito texto em letras miúdas. Sendo assim, fica o próximo adendo, é uma leitura que exige um manejo mais complexo, se você optar por ler uma parte, equivalente a capítulo, você terá que ler mais de 100p. por dia de leitura. Dificilmente você vai ler rápido, então se planeje e não se cobre além da conta, principalmente se você não estiver mega envolvido com a trama, e portanto, ser penoso o exercício, vai com calma e saiba que vai demorar. Eu gostei do texto, da criatividade, pra quem já leu os dramas do Dostoiévski, e do próprio Tolstói inclusive, é um texto bem típico sobre a época, única coisa que me incomodou bastante foi que da metade em diante o livro pareceu não ter mais trama para seguir, sendo umas 200p. muito supérfluas, dando a impressão de “encheção de linguiça” até um desfecho que não estava com cara de emocionante.
2. Eu gostei muito do início do livro, os personagens tinham muito carisma e ao lado do romance/triângulo amoroso, você percebia muita discussão social interessante, existiam segmentos muito bem escritos e únicos, como o cortejo através da patinação, a ceifa, a corrida de cavalos, além dos comentários do autor que estabeleciam as dinâmicas entre os personagens, como Stiva/Lievin por exemplo, que eram certeiros e criativos. Depois disso, a leitura começou a ficar bem enfadonha, arrastada, sem muito foco. A trama central da Anna, Vronski e Kariênin é boa na construção/cume, mas depois é totalmente monótona, quando os jovens pombinhos finalmente se unem o encanto da relação se enfraquece para o casal, e principalmente, para nós leitores, é um aborrecimento. Depois temos o alçar de um outro casal, esse casto e apaixonado, seguindo o ideal de romance perfeito, você fica confuso com a intenção do autor em projetar essa nova dupla, que ocupa tanto, ou até mais espaço na história que os Kariênin. Em minha opinião, era uma espécie de contraste entre um casal socialmente renegado e amaldiçoado, e outro puro e todo corretinho, mas as coisas não dialogam bem a essa altura. Meu veredito final é de que foi uma história que não me cativou, não é para meu bico, mas não vejo como totalmente ruim ou extremamente chata, vai de quem está lendo, mas ta longe de ser uma unanimidade. E achei o final PÉSSIMO, muito frio e lacônico.
3. Bom, aqui é até meio impossível colocar em palavras tantos temas que o livro emana, então vou destacar os quais mais me induziram a refletir. Uma das últimas discussões que temos e a cerca da Guerra utilizando a ‘questão eslava’, há um interessante debate na residência Lievin sobre as obrigações de um indivíduo, de uma nação, e de como os governantes e meios de imprensa propagam os violentos conflitos, quando devemos nos envolver? Seriam os voluntários loucos?
Outro tema, muito óbvio, é o divórcio, enfatizando o contexto da época e a relação direta com o adultério, temos 3 visões diretas de pessoas “presas” no mesmo dilema. O marido traído que o autor deixa claro, que apesar de ser alguém que presa pelas aparências acima de tudo, e que depois tem atitudes muito questionáveis em relação ao filho e a Anna, misturando com perspectiva religiosa, amava ela a seu modo, e que ao saber não só da traição, como também de toda humilhação e pressão da sociedade de Petesburgo em relação ao qual atitude tomar se vê numa cruzada sem saída, a qual ele é o menos “culpado”, afinal quem pede para ser traído? A solução mais óbvia seria evocar um duelo, o costume da época, mas como ele um idoso político vai desafiar para atirar um jovem soldado, 🤬 #$%!& Anna olha o BO que tu arruma pro cara. Temos a perspectiva da Anna, esposa “mal amada”, todavia jamais abandonada ou mal tratada pelo seu austero marido que se envolve em um relacionamento e, portanto, precisa decidir entre a família ou o romance, e as consequências morais disso perante a sociedade, as dificuldades em se desligar de um casamento nos anos de 1800. Para mim o melhor personagem para compreender os temas de debates no livro é Lievin, sua relação com seus conhecidos funcionários públicos e pensadores, como o seu próprio irmão filosófo, não poderia ser mais distante, e para ele homem forte do campo toda burocracia e debates parlamentaristas soam como um mundo figurativo que não tem qualquer relevância concreta, todavia ele também entende seus privilégios e insiste em mantê-los diante dos mujiques, os quais ele se sente bem convivendo em refeições e partilhas, mas que em relação ao trabalho e ao dinheiro ele tanto se incomoda e desconfia. Um trabalhador simplório para seus colegas urbanos, quase ignorante, embora tenha instrução, e ao mesmo tempo uma figura de antagonismo para seus funcionários e um homem difícil de se lidar, ao mesmo tempo que ele mesmo tem suas próprias ideias de classe, principalmente em relação ao meio agrícola cujo qual ele quer escrever um livro revolucionário. O próprio dilema do Lievin com a questão da fé e religião é muito interessante, assim como sua visão romântica do que é amar. Temos ainda temas como maternidade/paternidade, o tratamento social as mulheres, o desperdício de riquezas através de luxo, a moralidade no serviço público, eleições, a importância da instrução, eficácia da medicina, e etc.