Victor Dantas 27/05/2020
O CIStema religioso. O Deus problema.
A obra trata-se de uma autobiografia de Garrard Conley, em que ele relata todas as suas experiências na Amor em Ação, uma organização fundamentalista cristã dos EUA que prestava serviços de reorientação sexual para jovens LGBT.
Garrard foi criado por pais cristãos e conservadores, vivendo na sombra de suas crenças e valores do cristianismo.
A sua história se passa no sul dos Estados Unidos, no estado de Arkansas, região essa que possui um histórico cultural do conservadorismo, racismo, homofobia.
Ao se assumir gay aos 18 para a sua família, os pais de Garrard acreditaram que o que estava acontecendo com ele era algo passageiro, uma patologia, ou até mesmo, a ausência de hormônios masculinos suficiente no corpo filho.
Isso então deu motivo para eles irem em busca de “ajuda” para seu filho na igreja. Acaba que, os pais de Garrard decidem inscrevê-lo num programa de reorientação sexual para jovens “desviados do caminho de Deus”, ou que vão de desencontro da “ordem natural da criação divina”, ou seja, jovens LGBT.
Garrard, com medo de decepcionar ainda mais os seus pais, passa acreditar que talvez ele possa mesmo mudar, corrigir sua postura e seus impulsos sexuais e, por isso, decide participar programa.
Mas, ao chegar na Amor em Ação, e à medida que ele vai conhecendo mais da instituição, dos outros jovens que estão ali com ele, Garrard percebe cada vez mais que, a mudança que ele acredita que pode ocorrer na sua vida, está dentro de si. Aceitação.
Mas, estaria Garrard disposto a se aceitar?
A obra possui duas linhas temporais, o leitor acompanha os dias que o Garrard passou na instituição de reorientação sexual, ao mesmo tempo os acontecimentos que o levaram até ali.
A escrita do autor não é cansativa, no entanto, a forma como ele conduz os acontecimentos, o enredo em si, não possui uma linearidade, o que faz com que o leitor se perca em alguns momentos, até conseguir acompanhar a narrativa. Mas, talvez isso se explique pelo fato de ser um livro autobiográfico, de memórias pessoais, afinal, sabemos que nossas memórias nem sempre possui uma linearidade precisa.
Este foi o único ponto negativo que eu encontrei na obra durante a minha leitura, no mais, é um bom livro e que deve ser lido por qualquer público, lgbt ou heterossexual, cristão ou não cristão. É um livro que mostra muito bem como a religião pode ser usada para negligenciar um ser humano, discriminá-lo, até mesmo levá-lo a morte, pelo fato dele ser “diferente” ... afinal, não somos todos diferentes?
O livro também deixa para gente alguns questionamentos, sobre religião, sobre o Deus, e como muitas das vezes, isso é utilizado para sustentar não só discursos homofóbicos, mas, o machismo, o racismo, o sexismo.
Recomendo que assistam o filme (que por sinal é bem fiel a obra) depois da leitura, pois, isso vai complementar ainda mais a experiência com a história. Apesar do livro não ter me arrancado lágrimas, o filme pelo contrário, fez eu chorar em várias cenas.
E se assim como eu, você é um leitor lgbt, acredito que o sentimento ao terminar esta leitura provavelmente vai ser o de coragem e empoderamento para reafirmar ainda mais a nossa presença nesse mundo que, ainda persiste em nos olhar como seres de outro planeta, anormais, e que a cada dia mata um jovem lgbt, ou faz com que esse jovem tire sua própria vida, em nome de um Deus branco, viril, masculino e hétero.
Mas, o que eles não sabem, é que: não é o seu Deus que lhe faz, pelo contrário, é você quem faz o seu Deus.