Paulo 10/03/2019
Voltamos às aventuras do mensageiro Légume. E nesse segundo volume, Michel ousa ainda mais ao nos colocar diante de um personagem buscando pelo sentido de sua existência. Se no primeiro volume, nosso mensageiro ajudava os personagens da narrativa, aqui o tema é mais profundo. Se eu posso dizer algo é que o autor impressiona neste segundo volume. Dos dois volumes que eu li, posso dizer com folga que Légume do Lado Avesso é ainda melhor do que o primeiro. Isso só me faz curtir ainda mais o trabalho do autor. Não só pela bela arte, mas também pelo desenvolvimento narrativo.
Esse segundo volume certamente deve ter apresentado um desafio maior para compor o roteiro para o autor. Por se tratar de uma temática de auto-descoberta, Michel precisou retirar Légume do papel de observador para transformá-lo em alguém mais ativo e com uma personalidade mais redonda. O autor trabalhou elementos mais transcendentais nessa narrativa como as portas da cidade de Cavalo. Pouco a pouco ele vai colocando o que ele imagina para o mundo criado por ele. Assim como Légume e o Tempo, aqui temos uma história fechada, apesar de o final deixar um pequeno gancho para o terceiro e último livro. Como no volume anterior, a narrativa começa com uma inquietação do personagem que precisa ser solucionada com uma jornada. Nesse sentido, Michel realmente segue o método filosófico quando temos uma dúvida e precisamos refletir para encontrar a resposta para ela. Às vezes tudo o que precisamos é ficar sozinhos para escutar o nosso interior, enquanto que em outras precisamos buscar pessoas que possam nos ajudar a trilhar esta estrada.
"Certas coisas são apenas um breve recorte da existência. Bem breve. Uma fotografia da sensação, do sobre. Faz sentido?"
Por onde começar a falar da arte deste segundo volume? Que adjetivo encontrar? Magnífica? Bela? A arte deste segundo volume está ainda melhor do que o primeiro. Novamente: não curto composições completadas digitalmente, mas o Michel me fez mudar completamente de ideia. Uma boa ferramenta em mãos criativas pode gerar coisas incríveis. Aqui, ele realmente se soltou e criou cenas psicodélicas ao mesmo tempo em que belas. Nesse segundo volume, a palheta de cores vai girar mais para um tom escuro entre o azul petróleo e o roxo. Temos também algumas cenas claras como no primeiro volume. Mas, as cenas mais impressionantes são as splash pages ou páginas únicas que ele cria. Duas são muito significativas: uma com Légume andando por sobre vitórias-régias em um cenário arroxeado e a outra é com o protagonista sentado em uma rocha enquanto Clara está indo até ele com uma cesta. Outro elemento artístico aprimorado foi o jogo de luz, sombras e reflexos. As cenas na floresta são repletas de silhuetas no solo que dão um aspecto de perspectiva sensacional. Já no jogo de reflexos, eles dão uma outra tonalidade à cena, tornando uma tomada simples em algo mais grandioso.
Assim como no primeiro livro estamos em um dilema: qual é o nosso papel no mundo? Ninguém chega a este mundo com um mapa sobre como vai ser sua vida e quais as melhores escolhas possíveis. Não é assim que a vida funciona. Não há uma fórmula mágica. O legal desta vida não é encontrar a felicidade, mas caminhar rumo a ela. É a caminhada que é legal. Através dessa caminhada, vamos ter experiências boas ou ruins que vão montar o nosso caráter (isso é tocado no primeiro volume). Cada indivíduo vai ter seu próprio conjunto de experiências que o levará até um momento que pode ou não ser o ideal.
Por outro lado não devemos deixar o medo impedir que tomemos as nossas decisões. Enfrentar o desconhecido é parte da vida. Muitas vezes a paralisia de análise nos impede de apreciar experiências engrandecedoras. É o que o personagem precisa enfrentar quando necessita escolher uma das portas. Ele não sabe qual escolher e o que vai encontrar atrás delas. Isso impede ele de seguir adiante. Não é possível adivinhar as coisas e é isso que torna tudo tão legal. Em um momento de dúvida, dê o passo derradeiro. Faça o que seu coração manda. Muitas vezes ele está certo.
Os personagens de apoio são muito importantes para o protagonista. Dessa vez a posição é inversa em relação ao primeiro volume: enquanto no primeiro, era Légume quem ajudava, agora são as perspectivas dos outros personagens que fazem a mente dele se abrir. Estes personagens representam facetas do pensamento: o pragmatismo, a racionalidade, a transcendência. Não são personagens por si sós. mas formas de levar o protagonista por diversos caminhos. Nesse ponto, gostei de como os personagens tiveram um papel importante para o amadurecimento do personagem.
Légume do Lado Avesso é uma experiência diferente do primeiro volume. E uma experiência incrível. Aos poucos o autor vem se soltado mais e revelando todo o seu talento. Tenho curtido essa experiência ao lado do Légume e ela tem me feito refletir sobre uma série de assuntos. Recomendo demais tanto o primeiro como o segundo volume.
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