Gustavo 22/01/2012Resenha: O sono eterno O sono eterno é o primeiro romance de um dos mestres da literatura policial noir, Raymond Chandler. A obra, lançada em 1939, apresenta pela primeira vez o detetive Philip Marlowe, grande personagem dos romances de Chandler.
Na trama Marlowe é contratado por um velho rico que está sendo chantageado por criminosos. Este velho mora com duas filhas jovens e lindas, que sempre dão um jeito de arrumar confusão. Mas não vale a pena se prender ao enredo. Por que? Diferentemente das obras policiais clássicas, notadamente representadas por Conan Doyle e Agatha Christie, O sono Eterno não apresenta um grande mistério. Ou, na verdade, não se preocupa com ele. Se você espera ler um livro para quebrar a cabeça ou ficar espantado com deduções genias, esqueça. O sono Eterno definitivamente não se propõe a isso. Mas a obra não deixa de ser interessante. Chandler nos leva a uma viagem pela Califórnia do difícil período da depressão dos anos 30. O autor também não se cansa de usar metáforas. Elas aparecem quase que da primeira à última página: “Do lado de fora, os jardins brilhantes tinham um aspecto assombrado, como se pequenos olhos selvagens me estivessem espiando de trás dos arbustos, como se a própria luz do sol tivesse alguma coisa misteriosa e arredia.” (p. 235) Marlowe, um personagem não tão genial quanto Holmes e Poirot, por exemplo, é tão ou mais complexo que esses outros dois. Com aparência de durão, extremamente irônico; mas por vezes, sentimental e generoso, ele conquista por sua humanidade. O próprio se define como “um cara que se arrisca por 25 mangos por dia usando a pouca inteligência que tem”. (p. 232)
FILMES
O sono eterno já foi adaptado para o cinema em 1946 e 1978.
A primeira adaptação, que recebeu o título de À beira do abismo no Brasil, teve a direção de Howard Hawks e contou com a interpretação de Humphrey Bogart e Lauren Bacall nos papéis principais. Bogart, considerado um mito do cinema norte-americano, parece ter nascido para interpretar Marlowe, e consegue ser uma representação fiel do detetive descrito no livro. O filme não consegue ser completamente fiel ao romance de Chandler -nesse caso, livre de toda culpa- por questões de censura. A nudez e a homossexualidade presentes no livro não podiam ir para as telas do cinema na época. Além disso, a pessoa que não lê o livro e apenas vê o filme pode ter dificuldade para entender a trama, tamanho o número de acontecimentos em poucos dias. Mas À beira do abismo não deixa de ser um bom filme.
Já a segunda adaptação, chamada A arte de matar por aqui (vai entender esses nomes...) não merece nenhum elogio. Pelo contrário. O filme dirigido por Michael Winner e estrelado por Robert Mitchum beira o ridículo. As cenas que não puderam aparecer na primeira adaptação já estão presentes, mas o filme erra por completo o tom do romance. A arte de matar parece não se passar nos anos 30, mas sim na época de sua produção! Mitchum não é capaz de nos fazer lembrar do verdadeiro Marlowe. Uma pena. Com mais recursos e liberdade de produção, a segunda adaptação poderia ter feito um papel melhor.
Enfim, O sono eterno é um livro para quem gosta de romances policiais e não tem preconceitos. E é um livro para quem não gosta de romances policiais. A falta de uma mirabolante seqüência “mistério-investigação-dedução”, é compensada pela riquíssima narrativa de Raymond Chandler. E quer saber? À sua maneira, Marlowe também é um gênio.