Fabio.Favero 22/04/2022
A perspectiva molda a realidade
Este livro é um daqueles que me reforçam porque eu gosto de ler, e porque eu adoro o Rubem Fonseca.
O primeiro conto, "O Cobrador", entra na mente de uma pessoa desajustada e revoltada com o mundo e extremamente violenta, e que comete atos de absoluta barbárie, narrados em detalhes. Além dos detalhes macabros, como o conto adota a perspectiva do personagem, vemos também as justificativas dele mesmo, que seriam a exploração das classes superiores, o sistema capitalista, todos devendo para ele e sua catarse violenta seria apenas um ajuste de contas, e inclusive ele consegue cativar uma outra personagem nesta "missão", o que mostra o quanto de sedutor tem a violência para a humanidade.
No conto "Pierrô da caverna", conto provavelmente mais polêmico (o que é interessante, dada a extrema violência de outros contos e histórias do autor), ele entra na mente de um pedófilo, e vemos como ele também racionaliza o desejo que sente e como argumenta para si que seria um trauma a prática de pedofilia para as crianças mais pela reação dos adultos que pela experiência vivida, o que nos dá mais um exemplo de que a mente humana se justifica eternamente para si mesmo, buscando criar conforto para atitudes que temos, em especiais nas ações delitivas.
Outros contos guardam perspectivas interessantes, como "Encontro no Amazonas", onde vemos o que parece um assassino buscando um alvo, mas que mais parece um antropólogo estudando um personagem, ou "A caminho de Assunção", onde vemos soldados do que parece a Guerra do Paraguai e sua miséria física, indo em direção a um alvo militar algo desconhecido e que será esquecido, e que parece ser uma boa metáfora da guerra. "Livro de ocorrências" narra somente três situações comuns na vida policial mas com uma riqueza de detalhes, em especial em como o ofício acaba por tirar a sensibilidade de situações que para as pessoas comuns seriam marcantes, como as de violência e morte.
Vemos também a racionalização de um estuprador, em "Almoço na serra no domingo de carnaval", e que se justifica seus atos com uma nota de revolta de luta de classes.
"O jogo do morto" me lembrou o conto "A Biblioteca de Babel" de Jorge Luis Borges, no sentido de em algum momento da trama se brinca com o que é o acaso e o que é ação humana nos resultados das apostas realizadas, mal sabendo os apostadores das riscos assumidos. Mais uma história que mostra a estranha interface entre violência e crise financeira e crime.