Iara Caroline 27/07/2023
Uma pérola de Jane Austen.
Não precisei ler algumas resenhas para imaginar que esse livro é considerado o ?diferentão? da Jane Austen. Anteriormente a este, já li mais três livros da autora. Apesar de distintos entre si, nenhum é diferente como A Abadia de Northanger. De fato, sim, o livro é diferente em sua narrativa. Primeiro, a história. Segundo, a escrita. Ou o contrário, pois não sei qual deles devo dissertar primeiro, já que ambos estão tão ligados ao propósito do outro que provavelmente irei misturar os pontos. Jane Austen criou a historia de forma justa ao objetivo pelo que escreveu o livro. A Abadia de Northanger é uma sátira sobre a literatura gótica, e a criação de uma personagem como Catherine parece estritamente ligada ao objetivo. Mas é esse objetivo, enfim, que faz o livro, mais do que o propósito original em si, ser único.
Isso porque, quanto a escrita, Jane faz uso aqui da metalinguagem e, ao usar de tal, ela se comunica com a leitora do seu livro como em nenhum outro. Em Orgulho e Preconceito, há claras passagens de um gênio maior que disserta sobre posições sociais do contexto. Em A Abadia de Northanger é mais que isso: ela conversa com a gente; deixa claro que está ali escrevendo um livro e que sabe que estamos o lendo. É fantástico, isso me deixou maravilhada em diversas vezes enquanto lia. A sensação é que se cria uma proximidade única com Jane. Em meu ponto de vista, me dei conta de que sempre pensei: ?Jane Austen é uma autora clássica que ficou para história?, mas esse livro aqui me fez sentir pela primeira vez a humanidade e a existência dela. E, para minha diversão na leitura, me dei conta que essa mulher que viveu no século XVIII tem um humor único e muitíssimo perspicaz. O que faz a ligação da escrita com a história. Como disse anteriormente, Jane fez esse romance tendo em mente um sarro com a literatura gótica ? muito popular na época. Para tanto, ela criou Catherine Morland que, na minha opinião, é a personagem mais divertida que ela já fez. Catherine não é nada que se destaque como o foi Elizabeth Bennet. Ela não é inteligente, nem esperta. Não faz críticas tão notáveis ao marco literário. O que Catherine tem que a faz útil a ponto de ser uma heroína é o fato de que é uma leitora e, ? tendo a necessidade de uma explicação, já que Lizzy também é uma leitora clássica ? o mais importante: é leitora de livros góticos. Então Jane cria uma personagem ingênua, sem nenhum espírito elevado, que vê toda sua existência resumida no que lê. Fala sério, pode ter sido subjetivo a mim, mas eu simplesmente amei isso em um nível que nenhum outro personagem-leitor já havia me tocado. Catherine, em uma passagem, se mostra demasiadamente contente ao poder gastar seu tempo voltando à leitura de ?Os Mistérios de Udolpho?, e a sensação que ela provavelmente sentia me foi tão real; diversas vezes tive o prazer ao me lembrar que ao chegar na minha casa poderia enfim voltar a uma leitura que estivesse me sendo prazerosa. Apesar de ser o motivo que a torna tão desconecta dos valores reais em jogo onde estava, é a influência que Catherine sente dos livros e da leitura que logo a faz tão semelhante para quem a lê e que mostra a genialidade de Austen nessa sua criação. E é, portanto, assim que o resultado do romance se tornou ainda maior que o objetivo. Jane, com sua escrita que se aproxima de quem a lê e com o seu uso de uma personagem leitora, acaba por fazer uma espécie de homenagem grandíssima aos romances e aos leitores.
No entanto, não posso deixar de considerar que o objetivo de sátira e também a empreitada de Catherine em sua história de heroína são pontos que se destacam por si só, e merecem meus pensamentos sobre já que ambos me agradaram em sua essência. Mas assim minha resenha se tornaria demasiadamente grande e eu poderia me enrolar. Assim sendo, irei encurtar tais comentários: quanto a sátira ao gótico, acabei por me divertir mais do que acompanha-lá na crítica. Vejam bem, estamos agora no século XXI e o gótico não tem sido mais tão maçante como imagino ter sido para Jane. Eu como leitora já li góticos que me agradarem bastante, e justamente pela essência da coisa. Assim, algumas piadas da autora no livro acabaram por me fazer relembrar boas leituras: O Morro dos Ventos Uivantes, O Fantasma da Ópera e O Retrato de Dorian Gray. Já quanto a empreitada de Catherine, volto a dizer que essa personagem me agradou muito. Pode ser que seu jeito ingênuo e sua pouca percepção da realidade não seja do agrado de muitos, mas estou aqui na defesa de que nem todas nascemos com o gênio de Elizabeth Bennet já prontíssimo. Catherine tem o direito de ser como é. Ademais, a história conta justamente sua maturidade ao ter o contato com o mundo fora dos livros. Sobre os outros personagens, todos me causaram percepções e julgamentos únicos, e isso me parece característica de uma boa leitura. Preciso, como uma romântica sem salvação, ressaltar ao menos Henry Tilney: apesar de certos comportamentos que eu e minha amiga Juliana fizemos piadas sobre, ele me conquistou muitíssimo como par romântico ? levando até mesmo em conta o pouco teor de romance puro na obra. O final me agradou, claro. E há outras percepções dos desdobramentos que não perdem a importância da reflexão, mas percebo que já pequei bastante na intenção de não prolongar o debate desta resenha.
Eis, enfim, a explicação dos motivos que me fizeram apelidar esse romance como uma pérola de Jane Austen. E deixo ainda minha passagem favorita:
"Sempre que olho para lá penso no sul da França"
"Então a senhora já esteve no estrangeiro?", indagou Henry, um pouco surpreso.
"Ah não! Só conheço de leituras."