TatáVasconcelos 15/09/2021
Sombrio É Exatamente a Palavra Para Descrever Essa Obra
Lembro com carinho das noites maravilhosas da minha infância, em que eu me sentava na frente da TV para assistir às séries da Nickelodeon: Kenan & Kel, Os Arquivos de Shelby Woo, Clube do Terror, e, claro, Sabrina – A Aprendiz de Feiticeira. Séries incríveis, escritas por pessoas que entendem que crianças não são retardadas; que não ficarão traumatizadas por assistir a um conteúdo que, eventualmente, aborde temas relevantes e problemas mais graves que a salmonela da iCarly. Bons tempos! Bons tempos...
Então eu peguei esse livro, uma HQ cuja arte é realmente muito bacana, com a expectativa de relembrar a carismática série estrelada por Melissa Joan Hart, que até hoje figura entre as minhas favoritas sobre bruxas – ao lado de A Feiticeira e Charmed. Porém, esta trama não tem praticamente nada a ver com a série da Nickelodeon, exceto pelos nomes dos personagens, e o fato da protagonista pertencer a uma família de bruxas.
O Mundo Sombrio de Sabrina nos apresenta uma trama muito mais pesada do que aquela que conhecemos na série da Nickelodeon, com o mundo da bruxaria retratado em sua forma mais, digamos, diabólica.
Estávamos acostumados com aquela atmosfera inocente e romântica da série de TV, e quando entramos em contato com o lado sombrio da história é normal rolar certa estranheza.
Escrito por Roberto Aguirre-Sacasa e ilustrada por Robert Hack, este HQ da Archie Comics é ambientado nos anos 1960, e nos traz uma versão da bruxa adolescente que jamais teríamos imaginado.
O pai de Sabrina, Edward Spellman desobedecera às tradições de seu povo ao casar-se com uma mulher mortal, Diana, com quem tivera sua filha. Diana, depois de dar à luz, acabou sofrendo os “efeitos colaterais” de procriar com um bruxo, e passou os anos seguintes internada num hospital psiquiátrico.
Enquanto Edward foi condenado por seu povo ao exílio – ou, pelo menos, essa é a impressão inicial –, Sabrina foi criada por suas tias, Hilda e Zelda, que tentaram lhe dar o máximo de normalidade, numa cidadezinha do interior do país, longe da influência das comunidades bruxas. Mais adiante, ela também terá a companhia de seu primo, Ambrose, um feiticeiro adolescente, que estava sendo punido por ter se revelado aos mortais. E, claro, não podemos nos esquecer de Salem, o ente familiar dos Spellman, um feiticeiro condenado a viver sob a forma de um gato.
Apesar dessa aparência de normalidade, as tias não deixaram de prepará-la para quando chegasse a hora de passar por seu “batismo das trevas”, quando Sabrina teria que decidir entre abrir mão de seus poderes e viver como mortal – possibilidade que ela teria por ser uma bruxa mestiça –, ou entregar sua alma a satã e viver de acordo com as normas “lá de baixo”.
Sim, você leu corretamente. Quando completasse dezesseis anos, Sabrina teria que escolher entre abrir mão de seus poderes, ou vender a alma ao diabo. Agora você acredita que não estamos falando da série da Nickelodeon?!
O caso é que essa escolha se tornou ainda mais difícil, porque ela se apaixonou por um mortal, Harvey Kinkle, um adolescente de sua escola, e não estava muito afim de abrir mão dele.
A história ainda nos traz outra personagem da cultura pop que jamais teria espaço na série tranquila da Nickelodeon: Madame Satã, uma feiticeira, que fora desprezada pelo pai de Sabrina, e que cometera suicídio. Condenada a habitar a pior ala do inferno – aquela destinada somente aos piores seres humanos da Terra, como políticos, pedófilos e genocidas –, ela conseguiu retornar graças a um feitiço irresponsável e desastrado de outras bruxinhas da região, que a invocaram na forma de um súcubo – monstro mitológico, uma espécie de demônio feminino com apetites sexual e canibal igualmente insaciáveis. Depois de se apropriar do rosto de uma bela mulher, a [*****] decidiu aproveitar a liberdade condicional para se vingar da família de seu ex-namorado, a começar pela filha dele.
Sabrina jamais poderia imaginar que sua nova professora tão simpática era a pior inimiga de sua família.
O que ela também não sabe é que sua concepção fora cuidadosamente planejada por seu pai com alguma finalidade obscura. Edward Spellman, afinal, não era um bruxo inocente, apaixonado por uma mortal, mas um feiticeiro diabólico, disposto a tudo para conquistar suas ambições – sejam elas quais forem...
Por fim, O Mundo Sombrio de Sabrina ainda nos brinda com participações especiais de outras personagens da Archie Comics, e que já são íntimas nossas graças à série de TV Riverdale: Verônica Lodge e Betty Cooper, as duas bruxas inconsequentes que soltaram a Madame Satã na cidade. Bem, eu não acompanho Riverdale, mas pelo pouco que eu vi, parece que a série deixou de lado a origem bruxa das personagens – ou ela só existiu nesse crossover, não sei –, o que, em qualquer caso, na minha opinião, é um desperdício de uma boa vertente.
O Mundo Sombrio de Sabrina é uma história interessante, até certo ponto; para quem curte esse universo sobrenatural mais denso, e para fãs de quadrinhos mais sombrios. Não é muito a minha pegada, e provavelmente não vou me interessar em ler os demais volumes da série, mas, reconheço que a história tem seu valor. Narrativamente, é uma trama bem amarrada e instigante, e tem um gancho lá no final para deixar o leitor curioso pelos próximos capítulos.