Aline Marques 06/11/2020Excelente Proposta,Péssimo Desenvolvimento [IG@ousejalivros]Vive-se com medo.
Mulheres, de todo o mundo, precisam lidar com a normalização da violência contra os seus corpos, da ausência de consentimento e abuso de poder. E, como se não bastasse, a cultura do estupro também é responsável por deslegitimar as vozes daquelas que denunciam, silenciando todas nós.
Foi o que aconteceu em Prescott, Oregon. Uma cidadezinha com menos de vinte mil habitantes, escolhida por Amy Reed para protagonizar a história de Lucy, uma vítima culpabilizada pelo sistema patriarcal, e centenas de outras personagens condicionadas a acreditar que não possuem relação alguma com o que lhe aconteceu. Sem o apoio uma da outra, seguem sozinhas, em direção a um futuro não muito diferente do que viveram até ali.
E é através de diferentes perspectivas, apresentadas em capítulos alternados, que reconheceremos (e nos identificaremos) com suas dúvidas e temores, acerca de identidade, sexualidade e violência.
Mas, o que parece ser a premissa ideal para o público jovem, acaba decepcionando pela quantidade de temas abordados, sem um desenvolvimento criterioso e, por vezes, de forma contraditória.
Além disso, a autora reforça estereótipos e propaga discriminações com afirmações perigosas, no decorrer de toda leitura.
Um dos maiores exemplos disso, é a maneira como Reed escolhe retratar Erin, a personagem autista.
Mesmo fazendo um excelente trabalho ao descrever características como a disfunção executiva e a necessidade de regulação/expressão, através de stims (movimento repetitivos), a autora se nega a reconhecer o autismo como identidade, transformando a personagem numa figura caricata do capacitismo. E torna tudo ainda pior, com a utilização de termos desatualizados e preconceituosos, reforçados, também, pela tradução.
Em relação a própria cultura do estupro, não é feito o mínimo de esforço em conceituar ou instruir. Pelo menos, não diretamente.
E são tantas informações confusas, perdidas nas entrelinhas, que não tenho certeza como leitores, sem algum embasamento teórico, irão utilizar o texto a seu favor.
Também tem a questão da representatividade de grupos minoritários, além dos de pessoas com deficiência (como citado mais acima), ser usada de forma leviana. Preocupa-se tanto com a quantidade que, ao invés de tratar da coletividade ali representada, de forma a dialogar com situações reais e ressignificar imaginários, a autora segue com os mesmos rótulos e preconceitos.
Pra encerrar, quero apenas destacar que estupradores não são monstros ou homens dominados por instintos animais (viu, Reed?!). Não é sobre sexo ou sobre seus pênis.
Eles são qualquer UM. Porém, nós, somos MUITAS. Denuncie, se quiser e puder.
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Tradução de Amanda Moura
Nota: 2.75 / 5.00
TW: estupro, capacitismo, racismo, gordofobia, sexismo, bullying, heteroterrorismo, álcool, pensamentos suicidas, violência.
Obs.: A primeira edição possui inúmeros erros de diagramação e gramaticais, o que impacta a experiência de leitura e dificulta a compreensão do texto.