Pandora 21/08/2019O título original deste livro é Plainsong (cantochão). Cantochão é a denominação aplicada à prática monofônica de canto utilizada, desde os primórdios da Idade Média, com os monges reginaldinos, por cantores nos rituais sagrados, originalmente desacompanhada. É o principal fundamento da chamada música ocidental, sobre o qual toda a teoria posterior se desenvolve; é também a música mais antiga ainda utilizada, sendo cantada não só em mosteiros como também por coros leigos no mundo todo.*
Neste Plainsong, Kent Haruf dá voz a vários personagens que, posteriormente, têm suas vidas entrelaçadas umas às outras, como num coro. O cenário é a cidade fictícia de Holt, mas poderia ser uma cidadezinha qualquer do oeste americano. Daquelas bem pequenininhas.
O que eu mais gostei em Canto da Planície? Tudo. Os personagens, o cenário, a atmosfera, os conflitos, a escrita. Tudo é de uma simplicidade tão plena que choca. A forma como as pessoas lidam com a vida é descomplicada mesmo diante dos maiores problemas. Dá a sensação de que a gente aqui está fazendo tudo errado, complicando o que não precisa complicar. Porque tudo tem jeito, não tem? Só a morte que não tem.
Todos os personagens retratados em Canto da Planície são solitários de alguma forma e buscam o afeto. E ele vem na forma de empatia e solidariedade. Mas claro, nem tudo são flores: há espaço para ignorância e fofoca. Para abuso e rancor. Num lugar onde todos se conhecem, a vida tem realmente o sentido de comunidade.
Sim, talvez minha empolgação seja em grande parte porque sou absurdamente louca por cidadezinhas minúsculas e seus habitantes, com todas as benesses e prejuízos. Por outra grande parte porque amo montanhas e pastos e natureza e planícies. Mas principalmente, porque amo livros tão bem escritos e delicados quanto este.
Quando terminei a leitura, eu só queria chorar. Mas não de tristeza, nem tampouco de alegria, mas de emoção. Uma emoção genuína, como quando eu escuto Bach num cello, ou cheiro um livro novo feito de papel pólen soft 80g, ou ouço She com o Charles Aznavour, ou abraço meus gatos após uma viagem, ou reencontro minha filha após tantos meses. Emoção pura e simples.
Que sensibilidade tinha esse Ken Haruf! Eu, que só gosto de livros solos, não vejo a hora de ler os outros dois da Trilogia da Planície.
“- Por que você veio hoje?
- Não sei. Estava me sentindo sozinho, acho.
- Mas não estamos todos, afinal?”
*Nota: As informações sobre cantochão foram obtidas na Wikipédia.
Há um filme americano para a TV (Plainsong), de 2004, dirigido por Richard Pearce, baseado neste livro.