Germano Xavier 05/12/2010
Desorientes
DESORIENTAIS, obra composta por hai-kais da escritora curitibana Alice Ruiz, é um livro que não orienta o leitor a um lugar possível, um livro que desorienta porque não oferece um caminho facilitado tanto para o início quanto para o fim de algo ou alguma coisa. Se tomarmos como ponto de partida o sentimento de alteridade, aquele onde o outro se transfere a outra esfera de sentido, que também pode ser o movimento de um outro de realidade viva para um outro ser de mesma estirpe, a presença deste outro em cada pessoa transforma-se numa necessidade bruta, numa necessidade de reconhecimento, de conhecimento, o que faz com que a palavra da poeta seja mais a lança que consegue perfurar um corpo que propriamente o sangue que porventura brota de uma ferida aberta. Destarte, desorientes são orientes outros que existem dentro de um oriente pessoal recheado por eus, por eles, por elas, por elos, impregnados de um Eros sadio e naturalmente concentrado de desejos, sentimentos, sensações, percepções, impressões, que subsistem a partir de uma praga de vida que também pode vir a ser sinônimo de solução. Alice Ruiz, mulher de poeta, poeta, dona de coisas simples, constrói o seu verso maduro de ser sensível, de ser mulher pura de revoluções insólitas numa das mais mínimas expressões poéticas: o hai-kai. Dentro deste universo mínimo repleto de significâncias, a imagem do vagalume clareia o branco das páginas. O vagalume é um símbolo que marca o desoriente de Alice, como a nos dizer de um tempo de contraste, que existe entre a claridade e o escuro, entre o aceso e o apagado, imprimindo nos olhos do leitor um sentimento de temporalidade feito de instantes, como em:
Primeiro vagalume
Assim começa
O fim do ano
Ou em:
Vagalumes isolados
Por um instante
Luz lado a lado
Ou em:
Apaga a luz
Antes do amanhecer
Um vagalume
O sentimento de passagem também perpassa o todo do corpo do livro, instaurando uma nebulosa ascendente que esconde por vezes as noções de espaço e tempo da obra, como em:
Nuvem de mosquitos
O ar se move
Vento nenhum
A resposta de pronto é dada pelo leitor de maneira que o mesmo conheça na voz que não existe a existência do pleno.
Fim de tarde
Depois do trovão
O silêncio é maior
Alice ainda faz um tratamento com as coisas do amor que ama e que sofre por amar ao final do livro, burla um pouco o estado natural das normalidades incontestes, faz vadiagem com o sentimento de ser, torcendo o pescoço para um estado de “Pensar letras/Sentir palavras/ A alma cheia de dedos”, como se todos os nossos desorientes fossem os potenciais maiores para possíveis reorientes.