Vania.Cristina 06/02/2024
Quando os finalmentes justificam os não obstantes
Texto escrito originalmente para o teatro, estreou nos palcos em 1969. Em 1973, o próprio autor fez uma adaptação para a televisão, que veio a se tornar a primeira novela brasileira à cores e a primeira a ser transmitida em toda a América Latina, nos Estados Unidos e na Europa. O sucesso foi estrondoso, tanto de público quanto de crítica. Em 1973, ganhou o prêmio de Melhor Novela concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte, e em 1984, ganhou, no México, o Festival Internacional de Televisão.
Vou confessar pra vocês que em 1973 eu era uma criança de 9 anos. Pois é, já estou velha (mas firme e forte aqui). Eu me lembro de assistir a novela com minha mãe. E foi uma experiência de tal forma marcante em mim (e no povo brasileiro) que foi impossível não ver os atores em cena na minha cabeça enquanto, agora, fazia a leitura.
Peguei o livro apenas para dar uma espiadinha antes de dormir, e ele me capturou. Em algumas horas já tinha terminado. E não foi só uma leitura nostálgica, foi engraçada. Fiquei com um sorriso no rosto durante todo o tempo e cheguei a gargalhar no silêncio da madrugada.
A história se passa numa minúscula cidade do litoral baiano, chamada Sucupira. São quinze personagens em cena, mas tudo gira em torno de Odorico, candidato a prefeito da cidade. Ele não é bonito mas tem "um certo magnetismo pessoal", fala palavras difíceis e sua figura "impressiona e convence". Sucupira não tem cemitério, seus mortos têm que ser enterrados nas cidades vizinhas. Vendo aí uma oportunidade, Odorico promete que, se eleito, construirá um cemitério para Sucupira.
O apelo popular de Odorico acaba lhe trazendo a vitória, e ele constrói o cemitério desviando dinheiro da Educação e de outras pastas. A oposição reage dizendo que as prioridades eram outras. Odorico espera ansiosamente o primeiro defundo para a inauguração, com banda e pompa. No entanto, a cidade é tão pequena e tão pacata que, desde que o novo prefeito assumiu, ninguém morre.
Odorico faz de tudo para resolver o problema, até que resolve perdoar e convidar um assassino, que fugiu a muitos anos, a voltar para Sucupira. O célebre Zeca Diabo. Para garantir facilidades, o nomeia delegado.
Gente... sério... é hilário.
Os personagens são todos muito bons, e formam, de um jeito caricato, um microcosmo do Brasil: o jornalista que lamenta que na cidade não tem crime nem desastre, as beatas hipócritas e safadas, o padre que serve aos interesses do poder, o coronel decadente, o artista que é chamado de vagabundo, os funcionários públicos que não recebem, e Odorico, com sua politicagem em prol de si mesmo.
Esse livro não envelheceu nada, Odoricos não faltam nesse Brasil. E como nos lembra Dias Gomes, esse tipo de política não é fruto da democracia, mas da alienação do povo e do oportunismo dos governantes.