Miag 19/04/2012
Sherlock Rain Man
Quando escolho um livro em uma loja, em geral, escolho-o como vou ao cinema: no escuro, como em um blind-date. Não gosto de saber quase nada sobre a narrativa. Claro, com a quantidade de informações circulantes na Internet, isso é quase impossível. Mas ainda me permito surpreender. Faço assim: leio os títulos. Se algum me interessar, leio a orelha. No máximo. O que me chamou a atenção nesse livro foi o selo de premiação na capa. Um autor premiado e desconhecido (para mim). Isso em interessou. O cachorro de cabeça para baixo também, além do vermelho; não vou mentir. Escolhi esse livro praticamente por seus elementos paratextuais.
Por isso mesmo, as primeiras páginas foram um tanto quanto torturantes. Não entendia muito bem a forma simples com a qual o narrador se comunica com o leitor. São 226 páginas de um texto muito limpo, em primeira pessoa. E uma primeira pessoa autista. Um autista é uma pessoa – sem firulas técnicas aqui – que não consegue e nem quer se conectar a outras pessoas. Tem dificuldades de expressão, a interação social é bastante difícil e, em geral, há manias e rituais, como gritar e bater com a cabeça em uma situação de estresse (muitas pessoas ao redor, por exemplo). O QI costuma ser comprometido, mas há casos de gênios autistas – como vemos nos filmes "Rain Man" e "O solista" (interessante o título deste último, já que o autista leva uma "vida solo"). Assim é Christopher, nosso narrador adolescente. Um rapaz autista, gênio matemático apaixonado por Sherlock Holmes, seu conterrâneo no espaço da ficção. Haddon nos leva à cumplicidade com esse narrador inesperado, ao qual levamos um tempo a nos acostumar (os narradores das ficções a que estamos acostumados são tão assertivos!): acompanhamos seus dias de investigador minuciosamente, sua super memória não permite que nada nos escape (e desconfio, sinceramente, de que o personagem Sheldon, de Big Bang Theory, tenha sido inspirado no menino criado por Haddon). Essa investigação – não serei spoiler – leva a muitas descobertas, muito além das expectativas de Christopher. É uma história de superações, permeada por uma inteligência elegante, que nos obriga a enxergar o mundo pelo viés de uma lógica a que não estamos acostumados. Sem o autismo, Christopher talvez fosse um nerd insuportável, apaixonado pela garota impossível, um Michael Cera da Sessão da Tarde. Com autismo, temos uma novíssima aventura, um tatear pelo imprevisível com surpresas reservadas em cada linha.