gdarosl 05/03/2013
O Longo (e Melancólico) Adeus
Uma das obras mais bem conceituadas de Raymond Chandler, e ao mesmo tempo um clássico da literatura noir, O Longo Adeus é um livro que fala do acaso. Afinal, é do acaso que o protagonista, o detetive particular Philip Marlowe, esbarra com Terry Lennox, um sujeito bêbado que passava por dias ruins. Desse acaso, nasce uma vaga amizade, entre dois melancólicos que possuem a derrota e o álcool como semelhanças em comum.
E é em torno dessa amizade – ou talvez mera convivência – que todos os eventos da história giram. Marlowe presta um favor a Lennox, sem perguntar os porquês. E os eventos seguintes jogam o investigador numa teia de complicações envolvendo policiais violentos, dias na cadeia e conspirações de incriminação, acusando Lennox de um crime do qual o herói se recusa a acreditar.
Partindo dessa estrutura, que vem a tornar-se um clichê dos dramas policiais, é fácil pré-julgar O Longo Adeus como uma história policial qualquer. Entretanto, uma leitura das primeiras páginas substituiria essa imagem por uma completamente diferente: ao contrário da estrutura crime-investigação-descoberta, a história conta um dia-a-dia nostálgico do detetive, onde passagens que variam da estranheza ao arrependimento desenham uma não-linearidade na rotina cinzenta de Marlowe.
E talvez a grande diferença das histórias comuns de policiais (whodunnit) para esse estilo de literatura policial seja a retratação mais humana, realista do detetive, com jeito cínico, durão e sentimental. Não há segredos extraordinários a serem revelados na investigação. Ao contrário das deduções incríveis de Sherlock, Marlowe convive com ocorrências mundanas, de motivos simples, perseguidos por honra à verdade.
Escrito na época das consequências da Grande Depressão americana, O Longo Adeus fala de um desprezível sistema desenvolvido entre os sujeitos de poder da sociedade, que manipulam tanto a lei quanto o crime a seu favor em busca da garantia de seu conforto. Condição essa que é sempre lembrada pelo protagonista, que não esconde seu desprezo nos diálogos com editores de jornais, chefes de polícia, filhas de aristocratas e gângsteres do entretenimento. Sempre honesto, Marlowe não teme colocar o pescoço em risco para descobrir a verdade de quem tenta manipular o jogo de informações.
Outro ponto interessante d’ O Longo Adeus é a descrição criativa e inteligente do cotidiano de Marlowe: em uma bem-narrada perspectiva em primeira pessoa, traços físicos dos personagens misturam-se a pressuposições de suas personalidades, e os raciocínios à respeito do crime nunca são revelados através de monólogos mentais. Ao contrário da previsibilidade, Chandler mostra as deduções do investigador sempre entre diálogos comprometedores, garantindo o interesse na cruzada pelo fato.
Dono de frases dignas de citação, além de uma memorável leitura do gênero noir, O Longo Adeus é uma leitura recomendada a todos que buscam diálogos sarcásticos, heróis mais próximos da realidade, e páginas onde um palpite bem dado é tão importante quanto um soco no estômago do bandido. Raymond Chandler conseguiu ir além de escrever um livro policial, deixando de herança também nessa obra uma ode à um dos valores mais importantes da vida: a amizade.