Leonardo.H.Lopes 09/03/2024"Grito, logo existo": Antes Que Anoiteça, de Reinaldo ArenasNesse texto autobiográfico, Reinaldo Arenas nos conta sua história sem papas na língua, haja vista que almejava o suicídio, posto que encontrava-se fulminado pela AIDS, no início da década de 1990.
Entusiasta do início da Revolução Cubana, que eclodiu na Ilha de Cuba, já com um histórico de violência e miséria, em resposta à ditadura militar de Fulgencio Batista. O que Reinaldo não esperava era que Fidel Castro transformou Cuba na “província mais pobre da União Soviética”, bem como executou todos que ousavam dar um passo fora da cartilha do partido e perseguiu, com um furor inexplicável, os homossexuais. Aliás, a homossexualidade foi considerada crime e todos os “criminosos de alta periculosidade”, condenados pelo terrível crime de ser gay, eram encarcerados em prisões tenebrosas como El Morro, bem como enviados a campos de concentração, sendo obrigados a trabalhar como escravos no corte de cana de açúcar e na construção de escolas e universidades.
Tudo é nos contado com minúcias de detalhes, o sangue, a dor, a repressão. Cuba virou uma prisão de segurança máxima onde todos, segundo Fidel Castro, eram felizes em permanecer. Muitos tentaram fugir e foram mortos. Em 1980, quando um motorista de ônibus, deliberadamente, jogou o veículo contra a embaixada peruana e conseguiu asilo político, junto com todos os passageiros que, pegos desprevenidos pelo acidente, também se recusaram a sair da embaixada, Fidel, com mentoria soviética, decidiu expulsar da Ilha os dissidentes mais ferrenhos junto com todos os loucos, ébrios, enfermos, homossexuais e aqueles indignos de viver numa revolução tão maravilhosa quanto a cubana. Cerca de 135.000 pessoas deixaram Cuba, mostrando para o mundo o quão desejável era permanecer naquele local. Com toda certeza, o país seria despovoado se o porto não tivesse sido fechado após a migração se tornar um problema de ordem pública tanto para Cuba, quanto para os Estados Unidos, destino da maioria desses refugiados. Entre essas pessoas, Reinaldo Arenas conseguiu deixar o inferno cubano.
A vida de Arenas foi marcada por uma violência e pela compulsão sexual, sendo que o escritor também não possui a intenção de esconder detalhes sórdidos de suas aventuras sexuais. Toda sua visão de mundo é marcada pelo sexo, que é enxergado em todas as suas experiências de vida. Não é um texto fácil de ser lido nesse aspecto, haja vista que tem partes realmente pesadas: incesto; estupro; zoofilia. Fiquei consciente de que o embarque na leitura também acarreta o embarque detalhado por essas facetas da experiência humana nada ortodoxas. Algumas descrições chocam.
A autobiografia de Arenas é o livro que mais me machucou na vida. Cada linha lida penetra na carne como agulha e existem trechos que são punhais fincados direto no peito destruindo sonhos. No meu coração existia uma praça e, no centro desta praça, uma estátua de Gabriel García Márquez, escritor de livros incríveis como Cem Anos de Solidão e Crônica de Uma Morte Anunciada. Por tudo que Arenas me contou e ao perceber que Gabo era amigo íntimo de Fidel, batia palmas para a ditadura castrista mesmo sabendo de tudo o que acontecia naquela Ilha maldita, a estátua foi derrubada e jogada na lama, embora os livros do escritor colombiano continuem figurando como os meus preferidos graças à eterna atividade, às vezes custosa, de separar a pessoa do escritor de sua obra literária.
Hoje, mais do que nunca, horrorizo qualquer tipo de autoritarismo e tenho profundo desprezo por todas as pessoas, inclusive os líderes atuais, que foram amigos de Castro e tecem loas públicas, sem nenhum tipo de pudor, ao comunismo, possuindo a pachorra de se declararem anti fascistas, a favor do povo e dos trabalhadores. Esses são apenas demagogos, desonestos intelectuais e hipócritas que toleram e almejam o totalitarismo que perpetua a sua ideologia.
Ao finalizar a leitura, só saímos com duas certezas: 1 - a humanidade é a lama; 2 - no capitalismo, nascemos pobres e temos a chance de uma vida digna; apanhamos e temos a chance de gritar. No comunismo, nascemos pobres e morremos miseráveis, sem liberdade de consciência; apanhamos e devemos bater palmas para não ir para o “paredon”.
Uma pena este livro estar esgotado no Brasil e sem perspectiva de reedições, a busca pela verdade sofre com esse tipo de postura por parte do mercado editorial brasileiro.