Jana 13/12/2012
“No exílio, ele não passa de um fantasma, a sombra de alguém que nunca consegue alcançar sua completa realidade. Deixei de existir desde que cheguei no exílio; a partir de então, comecei a fugir de mim mesmo.”
(ARENAS, Reinado. Antes que anoiteça)
Reinado Arenas (1943-1990) foi um escritor cubano que iniciou ainda na Ilha o projeto de escrever uma pentagonía, com certas passagens autobiográficas. Aderiu na adolescência à revolução de Fidel Castro, mas sua homossexualidade foi repudiada, e a adesão ao regime durou pouco. Encetou o seu projeto com o livro “Celestino antes del Alba” em 1964, premiado pela UNEAC (Unión Nacional de Escritores y Artistas de Cuba) e a partir de então, com os ideais políticos dissonantes do regime vivido, o tornam um exilado dentro de seu próprio país. Em 1966 apresenta “El mundo alucinante” também obtendo o primeiro lugar na UNEAC, contudo, já sofrendo com a censura o mesmo só viria a ser publicado na França em 1967 e na língua original no México em 1969. Perseguido pela polícia política cubana, dá continuidade ao seu projeto da pentagonía publicando de maneira clandestina na França o segundo livro “El palacio de las blanquísimas mofetas” já em 1975. O terceiro romance de sua pentagonía, “Otra vez el mar” foi publicado nas mesmas circunstâncias do segundo livro. Vem a finalizar seu projeto com os dois últimos livros, “El color del verano” e “El asalto”, já exilado nos Estados Unidos. Além de romancista, foi um “artista eclético”, pois ao mesmo tempo foi novelista, contista, poeta, ensaísta etc. A obra analisada, “Antes que anoiteça”, foi seu último livro e, poucos dias após sua conclusão, se suicida em dezembro de 1990.
Sua narração na autobiografia vem em primeira pessoa, porém sendo povoada pelas histórias de inúmeros outros personagens, temos a narração de um Arenas em terceira pessoa, com o seu olhar não só para um passado da história cubana, mas também para essas histórias que, por vezes, parecem apenas casos contados sem nenhum interesse. Com uma Introdução intitulada “Fim” onde discorre sobre os últimos três anos de sua vida se tem seqüência os sessenta e nove capítulos de diversas extensões e organizados de maneira cronológica. Contudo, é de uma linearidade suposta de “narratividade”, sendo que em um ou outro capítulo avançamos ou retrocedemos alguns anos. O livro se encerra com uma “Carta de despedida”.
“El mundo alucinante”, novela de aventuras que resgata elementos da literatura barroca e utiliza-se de alegorias típicas de uma narrativa fantástica, traz em seu prólogo à versão espanhola do romance em forma de carta dirigida ao personagem (Servando), deixando a possibilidade para se fazer uma leitura autobiográfica do mesmo, ao que Arenas diz: "descubrí que tú y yo somos la misma persona" (KLINGER, 2005). Assim, Paulo Octaviano Terra acredita que, como Roberto Valero, citando o que disse Azuela sobre Juan Rulfo (“Juan Rulfo es um personaje de Juan Rulfo”), completa poder dizer a mesma coisa a respeito de Arenas: “Reinaldo parece un personaje de Arenas” (TERRA, 1996, p. 13). Corrobora que o autor, por ser muito contraditório, traz em sua biografia várias versões ao enfoque de uma mesma informação. Então, conclui Miguel Riera:
“Aunque no tengo la menor duda de que los hechos esenciales son verdaderos, e los padecimientos auténticos, Arenas há empleado en su autobriografia los mismos recursos que utilizo com la que es probablemente su obra maestra, El mundo alucinante: la mezcla de la verdad histórica y la ficción más delirante, combinadas sabiamente para que la exageración e incluso el disparate no hagan sino reforzar aquellas partes de la realidad que constituyen su nucleo esencial. (…) Quien espere hallar em el la historia exacta de su vida, se habrá equivocado. Quien se interrogue sobre el sentido de su lucha, encontrará las respuestas. Lo demás, al fin y al cabo, es pura anécdota.” (RIERA apud TERRA, p. 15).
Assim, vários episódios do romance são narrados anos depois como sendo "verdadeiros" em sua autobiografia. Segundo Guillermo Cabrera Infante, "tres pasiones rigieron la vida e la muerte de Reinaldo Arenas: la literatura no como juego sino como fuego que consume, el sexo pasivo y la política activa." (CABRERA INFANTE, 1992 apud OLIVARES, 2000, p. 269).
Até meados do livro o que temos são suas memórias infantis, sobre a vida no campo, a constituição familiar e a própria avaliação do autor sobre esse personagem infantil e criativo, mas estranho – que se assemelha muito com o personagem de sua obra “Celestino antes del Alba”.
Será a partir do hábito do avô em ler a revista Bohemia que o autor permitirá que o leitor fique a par da realidade política da época. Se Arenas aparece como personagem central e protagonista único, seu antagonista é o Estado totalitário, e só com a revolução ele será inserido em cena. Logo, a partir dos capítulos que somos introduzidos em sua juventude é possível visualizar a também juventude da revolução. Será seu antagonista que o conduzirá a sua vida por um labirinto existencial, mas que permitirá também, juntamente com sua rebeldia, que o personagem possa deixar sua cidade e estudar, como segundo o autor, já objetivava. Portanto, ao passo que o Estado totalitário se consolida, o personagem Arenas também se desenvolve.
“O homossexual é inimigo de qualquer tirania, pois ela lhe proporciona campo de ação e imaginação. Logo: toda tirania persegue os homossexuais. (…) De alguma forma, os nossos inimigos são as nossas mais profundas influências. E estas influências devem ser recíprocas.” (ARENAS apud TERRA, 1986, p. 02).
É significativo que no centro da autobiografia dedique dois capítulos a Virgilio Piñera e Jose Lezama Lima, respectivamente. Piñera já estará presente desde a introdução e ambos os autores seguirão sempre lembrados até o fim do livro. Sua descrição de tais escritores contempla a intimidade dos mesmos do que a exposição de suas obras. Descreve tais amizades como quem contempla a si mesmo. Lezama Lima é o “homem que fizera da literatura sua própria vida” (ARENAS, 1992, p. 112) e Piñera como aquele que “representava o eterno dissidente, o constante inconformado, o eterno rebelde.” (Idem, p. 326). Talvez isso justifique sua posição de exilado perdido no mundo exterior, fugindo de si mesmo, pois os dois autores, exilados em suas vidas, nunca deixaram Havana. O protagonista parece compartilhar da situação dos dois: homossexual, anticomunista, ateu… mas um exilado, no inicio em Cuba, vivendo a cidade de Havana sendo assim o exílio de liberdade intelectual que o restringia. Fora, além do exílio intelectual, há o exílio territorial e o não encontrar nos exilados os mesmos sentimentos que os seus, os sentimentos compartilhados com Piñera e Lezama Lima.
Será depois de analisar os escritores do passado efervescente cubano, que partirá para sua geração, analisando-a como perdida e destruída pelo regime. Mas a avalia como quem lutou em prol a vida, e a sua maneira, sua juventude como que de uma rebeldia erótica, fez a revolução sexual em Cuba por ser ponto de contrariedade ao regime.
Se a partir de sua geração os capítulos parecem compostos por memórias soltas de histórias suas e de demais personagens, será essa estrutura que nos fornece histórias de ligações ou introduções para os capítulos seguintes. Logo, o que aparece “solto” está intrinsecamente tramado como pequenos comentários ou avaliações – a exemplo do capítulo “O Instituto do Livro”, sobre amigos de Castro e autofuncionários do regime que eram homossexuais e, no entanto não eram perseguidos ou sofriam algum tipo de punição, para no capítulo seguinte inserir “As quatro categorias de gays”, explicando de forma irreverente, por uma categorização própria, os diferentes tipos de homossexuais existentes em Cuba e como viviam.
O que podemos observar na autobiografia é o desalento cubano, daqueles que nunca conseguem sua autonomia, vendo-se em constante dependência, econômica e até, como parece sugerir Arenas, “ideológicas”. Em depoimento, afirmou que os elementos de sua inspiração tinham origem na realidade de sua condição de testemunho do envilecimento do poder sob Fidel Castro e do dólar no capitalismo. Além disso, podemos acompanhar por via da perseguição ao autor imposta, sua saga em conseguir escrever – ou reescrever – suas obras.
A autora Perla Rosenvaig define o gênero memórias ao citar Roy Pascal, articulando que "la reelaboración de la verdad histórica es uno de los rasgos distintivos de ambos géneros" – referindo-se às memórias e autobiografias –, e acrescentando que "el acto de narrar implica que la memoria, mediante un proceso de selección y jerarquización de la realidad, recupere lo que le interesa sin tener en cuenta la total veracidad de los hechos" (ROSENVAIG, 1986, p. 10 apud KLINGER, 2005).
Assim sendo, “Antes que anoiteça”, autobiografia que explicita as três paixões de Reinaldo Arenas, sendo que a “(…) dominante era, es evidente, el sexo. No sólo en su vida sino en su obra" (CABRERA INFANTE, 1992 apud OLIVARES, 2000, p. 269) não deixa de ser fruto desse processo de seleção e hierarquização da realidade com a construção textual e figuração de si, arguciosamente composta na forma literária.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARENAS, Reinaldo. Antes que anoiteça. Trad. de Irène Cubric. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009.
CEZAR MISKULIN, Sílvia. Outro olhar sobre a Revolução Cubana: a trajetória e obra de Reinaldo Arenas na revista Vuelta. Revista Brasileira do Caribe [en línea] 2009, vol. X.
KLINGER, Diana. A literatura como missão: o controle do ficcional em O Mundo Alucinante, de Reinaldo Arenas. Rev. USP, São Paulo, n. 66, ago. 2005.
OLIVARES, Jorge. ¿Por qué llora Reinaldo Arenas? The Johns Hopkins University Press: MLM, Vol. 115, No. 2, Hispanic Issue (Mar., 2000), PP. 268-298.
TERRA, Paulo Octaviano. Um escritor no exílio, Folha de São Paulo, Folhetim, (501): 2-5, 14 de setembro de 1986. ___. Entrevista exclusiva a Reinaldo Arenas. Linden Lane Magazine, Princeton, New Jersey, XI (3): 19-20, setembro 1992.
—————. Reescrita de uma reescrita: tradução comentada de uma reescritura de Reinaldo Arenas A Usina/El Central. São Paulo, 1996. Dissertação (Mestrado Língua Espanhola e Lit. Espanhola e Hispano-América) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.