João Victor 06/03/2015
Ler, ou não? Eis a Questão! #2 Auto da Barca do Inferno – Gil Vicente
Auto da Barca do Inferno é uma peça teatral portuguesa, escrita na parte final do período medieval quase quase, pegando a renascença na Europa. O Drama é considerado por vários críticos como uma Peça de Moralidade, que era um tipo de história contada com um fim educativo sobre algum determinado valor moral (comumente utilizadas pela igreja). Entretanto, Gil Vicente não deixou as coisas tão “preto no branco” em relação a construção da obra, e o Auto acaba criticando partículas da igreja, levando-nos a assumir que caso essa obra seja, de fato, uma peça de moralidade, o é de uma forma singular.
A peça se desenvolve de forma bastante simples. Em apenas um ato, diversos personagens, um após o outro, vão chegando a um porto que contém duas barcas, cada uma com um navegante. Na primeira barca temos um Diabo, que conduzirá a barca para o inferno. Na segunda, um anjo, que conduzirá a barca para o paraíso. A mecânica das cenas é sempre a mesma, o personagem entra em ação, dirige-se à barca do inferno, recusa-se a embarcar, pede para entrar na barca do paraíso, é negado, volta para a barca do inferno e adentra nela. Só há duas exceções, o personagem Parvo, que entra na barca do céu por falta de culpas quaisquer em vida, e os Quatro Cavaleiros, pois lutaram ao lado da cruz de Cristo.
A questão é: - vale realmente a pena, para os jovens (ou não tão jovens) seguidores do nosso blog ler um drama lisboeta do século XVI?
Aqui vão algumas considerações a esse respeito.
Um primeiro ponto que impulsiona uma leitura é a questão da importância da obra/autor para a literatura de língua portuguesa. Se os gregos tiveram Sófocles, Eurípedes, Ésquilo e cia. ltda. Se Roma teve Sêneca. Se a Inglaterra teve Shakespeare. Pode-se dizer que Portugal teve Gil Vicente. É claro que qualquer comparação aqui tem de ser feita segundo suas devidas proporções de época, idioma e cultura, mas no quesito de ser um ícone do drama, sim podemos colocá-los na mesma estante.
Num segundo momento, podemos avaliar a importância dessa obra junto aos célebres Contos da Cantuária de Geofrey Chaucer, pois ambas fazem um pequena dissecação da sociedade de suas respectivas épocas. Ao ler o Auto da Barca do Inferno é possível enxergar com clareza quais eram os “personagens sociais” daquela época e quais seriam os juízos de valor mais comuns sobre eles. É claro, tudo sob o visão do autor e também da corte do rei para o qual a peça foi escrita e representada.
Também, através dessa leitura (e aqui uma dica para quem escreve), é possível extrair várias lições de “como construir personagens”. Aqui, os seres que Gil Vicente criou, como já dito, carregam uma ideia muito maior do a que de meros indivíduos com características singulares. Eles têm a função de representar classes inteiras de pessoas, o pobre, o rico, a igreja, e por aí vai.
Se os três argumentos acima não te convencerem, o último argumento é bem bobo, mas funciona. A peça é muito, muito, (muiiiiiiiiito) pequenininha. E por causa da forma como ela foi organizada fica ainda mais fácil de se ler. É claro, que para fazer uma leitura bacana do Auto é preciso escolher uma edição que venha com um bom glossário, porque português do século XVI não é exatamente como o atual e isso pode acarretar uma dificuldade de compreensão de algumas partes.
(AH! Detalhe importante, a organização da última cena de O Auto da Compadecida, célebre filme nacional, na minha opinião um marco, é toda baseada nessa história.)
E aí, ler, ou não ler? Eis a questão!
site: https://resenhaspontojao.wordpress.com/2015/03/06/ler-ou-nao-eis-a-questao-2-auto-da-barca-do-inferno-gil-vicente/