jiangslore 01/04/2022
[4/5]
A primeira coisa que deve ser mencionada sobre "As Duas Torres" é que esse livro é, sob vários aspectos, melhor que "A Sociedade do Anel". Talvez pareça contraditório dizer isso e, ao mesmo tempo, colocar para "As Duas Torres" a mesma classificação que usei para o primeiro volume da trilogia, mas isso é justificado pelo fato de que o autor, de forma ainda mais enfática do que no primeiro livro, expressou algumas ideologias preocupantes no segundo volume de "O Senhor dos Anéis".
Mas, inicialmente, vamos tratar das coisas boas.
O enredo de "As Duas Torres" é muito bom. A presença de mais ação e conflito no decorrer da obra faz com que a história seja mais envolvente, além disso, a aproximação da guerra que ocorrerá no terceiro volume faz com que o universo se expanda ainda mais. Isso resulta na apresentação de novos personagens e locais que tornam o livro ainda mais vívido e interessante. Além disso, Tolkien confirmou, com o final de "As Duas Torres", algo que eu já imaginava desde o primeiro livro: ele é muito bom em criar finais interessantes para as suas obras. Não estou brincando quando digo que passei por diversas emoções nos capítulos finais deste livro, ainda mais do que aconteceu em "A Sociedade do Anel".
Outro aspecto importante é que todos os personagens principais tiveram desenvolvimentos ótimos, com destaque, é claro, para os quatro hobbits: Frodo, Sam, Pippin e Merry. Estes dois últimos puderam participar de maneira mais ativa e independente do enredo; o que fez com que eles se tornassem personagens mais tridimensionais e interessantes do que já eram. Pippin e Merry, muito mais que Frodo e Sam, representam as características "clássicas" de um hobbit, e é muito legal ver a forma que o autor desenvolve isso no decorrer do livro.
E, é claro, Frodo e Sam tiveram ainda mais destaque. Em "As Duas Torres", Sam ascendeu ao papel de narrador, e eu não consigo expressar o suficiente o quanto gostei dessa escolha, que foi fundamental para o desenvolvimento incrível dos dois hobbits. O desenvolvimento de Sam tornou-se mais elaborado porque, com a sua narração, é possível entender muito mais sobre as suas qualidades e suas motivações, especialmente a lealdade que tem por Frodo e o afeto que sente por ele. E essa forma de ver o Frodo ajudou no seu desenvolvimento, também. Às vezes, é possível entender uma pessoa muito melhor quando você a vê pelos olhos de alguém que a ama.
Após o conflito no final do primeiro livro, Frodo se tornou mais introspectivo e desconfiado. O maior destaque dessas características, associado ao fato de que Frodo sabe que o momento da sua maior provação está chegando, cria mudanças visíveis no seu comportamento. A impossibilidade de o leitor acessar os pensamentos de Frodo na maior parte do livro, somada à possibilidade de perceber essas mudanças em seu comportamento por causa de Sam (afinal, ninguém conhecia o Frodo de antes mais que ele), fez com que a introspecção do personagem ficasse ainda mais palpável.
Apesar desse desenvolvimento não ser "positivo", no sentido de não mostrar o "crescimento" do personagem, já que suas ansiedades e inseguranças parecem ainda mais expostas, continua sendo um desenvolvimento incrível, na minha opinião. Já disse antes e é importante reiterar: Frodo é um protagonista muito bom. Ver a forma que ele reage no decorrer da história à pressão que uma tarefa tão importante ocasiona só me faz ter mais certeza disso.
Se todos os aspectos mencionados até aqui fossem os únicos considerados por mim para efetuar a classificação, "As Duas Torres" mereceria, no mínimo, 4,5 estrelas. Entretanto, houve um aspecto negativo significativo e impossível de ignorar: o racismo do autor.
No primeiro livro, dava até pra alguém fingir que o Tolkien não era racista, porque ele só aplicava as suas noções duvidosas à criaturas não-humanas. Mas, no segundo, ele faz isso descaradamente com humanos. Colocar os únicos humanos que não são brancos (pelo menos dos que apareceram até agora) para apoiarem Mordor; descrevê-los como "caras escuras"; dizer que eles são quase tão ruins quanto orcs; falar da pintura vermelha no rosto deles… Não dá para achar que tudo isso é coincidência. Seria uma inocência muito seletiva pensar dessa forma, como eu já havia explicado na resenha de "A Sociedade do Anel".
Todas essas coisas que mencionei no parágrafo anterior ocorrem em um trecho específico da obra, após a metade do livro. Portanto, boa parte da leitura não foi influenciada por esses aspectos, mas não dá para negar que eu perdi um pouco da minha empolgação depois de ler isso - apesar de essas questões não terem sido referenciadas novamente.
Considerar esse aspecto negativo foi o que me fez diminuir a classificação do livro. Por outro lado, preferi não ir abaixo de 4 estrelas, pois a coerência entre as classificações dos livros da mesma série teria sido quebrada - já que, como mencionei anteriormente, "As Duas Torres" é melhor que "A Sociedade do Anel" na maioria dos aspectos.
Ainda pretendo terminar a trilogia, porque já tenho o livro e não posso negar que estou curiosa sobre seu desfecho. E ainda acho que a leitura é, sim, recomendável para quem gosta muito de fantasia, pois acho que é importante conhecer as obras principais de um gênero do qual se é fã. Mas sempre é importante lembrar que a leitura deve ser feita com senso crítico.