Fabio Shiva 13/04/2024
CLÁSSICO É UM LIVRO QUE CONTINUA VIVO COM O PASSAR DO TEMPO
Não sei bem o que eu esperava quando peguei para ler “Menino de Engenho”, livro considerado a obra-prima de José Lins do Rego e um dos grandes clássicos da literatura brasileira. Mas quando falamos de um “clássico” geralmente surge na mente a imagem de um livro velho e empoeirado, de páginas amareladas e letras miúdas, que convidam mais ao sono que à leitura. Nada poderia estar mais distante da experiência de ler “Menino de Engenho”! Ainda mais no caso do exemplar que li, com uma diagramação moderna e estilosa comemorando nada menos que a 100ª edição do livro pela José Olympio Editora.
A história já nos captura de imediato, desde as primeiras palavras, que nos arremessam em uma densa tragédia familiar:
“Eu tinha uns quatro anos no dia em que minha mãe morreu. Dormia no meu quarto, quando pela manhã me acordei com um enorme barulho na casa toda. Eram gritos e gente correndo para todos os cantos. O quarto de dormir de meu pai estava cheio de pessoas que eu não conhecia. Corri para lá, e vi minha mãe estendida no chão e meu pai caído em cima dela como um louco.”
Ao cabo de duas ou três páginas já estamos envolvidos pela trama, aliciados pela prosa direta de José Lins do Rego, elegante mesmo ao contar os casos mais escabrosos. Fui surpreendido diversas vezes pelos episódios que vão tecendo o enredo de “Menino de Engenho”: ora comoventes, ora estarrecedores, ora hilários.
Cheguei mesmo a derramar algumas lágrimas de puro êxtase literário, ao me dar conta de como aquelas páginas me permitiam viver e sentir uma vida tão longe de mim no tempo e no espaço. Vivenciei a leitura desse livro como um portal mágico, que me transportou para a vívida realidade de um engenho do Nordeste brasileiro de cem anos atrás. É como se essa porção de nossa história permanecesse viva e pulsante, bastando a qualquer um abrir as páginas de “Menino de Engenho” para acessá-la. Por essas e outras é que dou graças a Deus pela luminosa dádiva da literatura!
Encerro com dois trechos que me marcaram especialmente. O primeiro por retratar as desigualdades e injustiças de ontem, evocando o quanto isso repercute ainda hoje:
“O costume de ver todo dia esta gente na sua degradação me habituava com a sua desgraça. Nunca, menino, tive pena deles. Achava muito natural que vivessem dormindo em chiqueiros, comendo um nada, trabalhando como burros de carga. A minha compreensão da vida fazia-me ver nisto uma obra de Deus. Eles nasceram assim porque Deus quisera, e porque Deus quisera nós éramos brancos e mandávamos neles. Mandávamos também nos bois, nos burros, nos matos.”
E o segundo por expressar tão liricamente o arquétipo da perda da inocência:
“Perdera a inocência, perdera a grande felicidade de olhar o mundo como um brinquedo maior que os outros.”
Uma obra sensacional, que me encheu de orgulho de ser brasileiro.
https://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com/2024/04/classico-e-um-livro-que-continua-vivo.html
site: https://www.instagram.com/fabioshivaprosaepoesia/