Roberto Soares 26/12/2020"Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta."
O que foi esse início?
Um aviso, uma promessa, um incentivo ou uma ameaça?
Seja lá o que for, se cumpriu.
Sérgio encontrou o mundo no Ateneu. Como escreveu Ivan Marques em sua apresentação do livro, dentro dos muros do internato aquela criança recém-saída do conforto doméstico e do carinho maternal encontrou a arte, a ciência, a filosofia, a moral, a religião, a política, a história, o belo e o feio, o pequeno e o grande, o particular e o universal, o bem e o mal.
Pompeia narra a vivência de uma criança durante seus dois anos em um internato carioca, mas sua escrita vem de um punho adulto, portanto o objetivo e o subjetivo se misturam e se contaminam, mesclando a candura e a inocência com o fervor de uma convicção apaixonada contra o império corrupto e destrutivo de Aristarco. Não são apenas os fatos que preenchem as páginas de "O Ateneu", mas a consciência e a repercussão destes na mente agitada do narrador (e autor).
Como livro, "O Ateneu" se aproxima de uma obra completa, entrelaçando as principais tramas que moldam uma sociedade. Como internato, o Ateneu é uma sociedade, um treinamento para o que está para vir por trás daqueles muros.
Os percalços de Sérgio são os percalços da sociedade brasileira, não só daquele tempo, porque nunca saímos do pântano, só nos arrastamos de um lodaçal para outro. A própria imagem da princesa Isabel, regente, nos eventos do colégio, já nos estimula a prever o que estava acontecendo quando da escrita deste livro, escrito e publicado no ano da aprovação da Lei Áurea e um ano antes do fim da monarquia e da proclamação da República, que traria a esperança de uma sociedade mais justa. (Obs.: Kkkk)
Já as duas primeiras linhas do livro me deram o que refletir. "Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu." Essa saída do ambiente familiar, essa castração da dependência e do conforto domésticos para a introdução ao Real do Mundo (em todos os seus aspectos), é um ritual comum na literatura, principalmente nos romances de formação (onde, na minha opinião, "O Ateneu" se encontra). Na vida real, a Iniciação sempre foi um arquétipo identificado em todas as sociedades, desde a tribo mais primitiva na Nova Guiné até as grandes cidades, como Londres e Nova Iorque, onde o indivíduo é introduzido como espectador e participante aos mistérios do mundo. Mas e hoje, mais especificamente na nossa sociedade, como nossas crianças "encontram o mundo"? A resposta é fácil: na internet. Mas que mundo é esse, e qual a sua verdadeira ligação com a realidade além das telas? Que tipo de sociedade esse microcosmo virtual revela, e quais são/serão suas repercussões nas formas como os jovens apreendem a realidade e se posicionam nela?