Gabalis 03/11/2022
Alunos, mestres, prisioneiros do Ateneu.
O livro sustenta-se numa espécie de tríptico; perfilagem psicológica, descrição física e balanço moral. O Ateneu é contado a partir de um bufê destes três aspectos, o autor pega um pouco de cada elemento e com eles cria e rememora os personagens, eventos e locais do romance, associando ou ilustrando aqui e ali com fábulas, mitos, eventos e pessoas da história, tudo amarrado por uma linguagem rica, alternando entre descrições precisas e poéticas, sem ter a preocupação de manter-se em curso; o narrador tem a tendência, como é a tendência da memória, de devanear e escapulir para fora do seu objeto imediato. O leitor que está preocupado primeiramente com seguir aos aspectos concretos da narrativa (o que ciclano ou beltrano fez e a consequências de seu ato), vai acabar se frustrando com o estilo do Pompéia. Uma vez que se compreenda que o intento da obra é nos causar uma impressão literária dos três aspectos mencionados, através das impressões de um menino, agora adulto, sonhando sua infância, a leitura será muito mais satisfatória.
O charme do enredo não vem propriamente dos fatos que se passam, muitos deles mundanos como hão de ser em sua maioria, mas no talento do autor de convergir em suas descrições aspectos físicos, psicológicos e morais dos habitantes do Ateneu, tudo feito a uma certa distância, essa causada pelo imenso gênio artístico do autor que no fundo, talvez não desse mesmo para essa vida. Um dos muitos exemplos disso, podemos ver na descrição de Cândido, um dos meninos envolvidos num escândalo, lá pelo meio do livro: “Cândido era um grande menino, beiçudo, louro, de olhos verdes e maneiras difíceis de condolências e enfado. Atravessou devagar a sala, dobrando a cabeça, cobrindo o rosto com a manga, castigado pela curiosidade pública.”
Tudo no Ateneu vem à vida desta maneira, criando um espaço fascinante e extremamente belo, lúgubre, onde os prisioneiros do Ateneu riem, choram, e aprendem a existir no mundo da melhor maneira que suas habilidades permitam. Muitas são as oportunidades para o leitor ceder às suas próprias divagações durante a narrativa, lembrando-se de suas próprias memórias de infância e talvez juntá-las em sonho com os corredores de um internato no fim do Império.
É uma pena muito grande que o autor tenha morrido tão jovem. Raul Pompéia, tivesse o tempo para amadurecer completamente como escritor, teria sido capaz de escrever algo da magnitude da obra Em busca do tempo perdido de Proust. Todos os elementos para tanto já se encontram no Ateneu. Bastava que vivesse um pouco mais para escrevê-lo. Quem sabe o que perdemos.