Renata 03/07/2015
Em 2015 completamos setenta anos do fim da segunda grande guerra, da qual o Brasil tomou parte a partir de 1944. O livro "Guerra em surdina", do ucraniano naturalizado brasileiro Boris Schnaiderman conta um pouco desta história.
Pense em um autor em russo: Dostoiévski, Górki, Maiakóvski, Pasternak, Tolstói, Púchkin, Tchékhov. Schnaiderman verteu para o português obras destes e de outros. Isso porque veio para o Brasil ainda criança, mas manteve o vínculo com o idioma russo em casa.
Guerra em surdina conta a história do sargento João Antônio, estudante de medicina que é convocado para a guerra às vésperas do embarque das tropas brasileiras. João Antônio tem muito da história de Schnaiderman, que para conseguir validar seu diploma de agrônomo e conseguir trabalhar no Brasil, conforme conta em várias entrevistas, precisava se naturalizar e prestar serviço militar.
Schnaiderman, assim como seu João Antônio acreditavam na legitimidade de ir à guerra, de defender a democracia, ainda que vivessem em um regime acusado de flertar com o fascismo.
O ponto forte deste livro é justamente partir de uma ótica geralmente ignorada quando se trata de histórias oficiais de guerra, a ótica de quem esteve no campo de batalha. Schnaiderman conta a história de soldados de improviso, sem treinamento, obrigados a participar de uma luta que não consideravam sua, sentindo que tiveram suas vidas vendidas pelo governo em troca de um bocado de dólares.
"Os homens foram mandados para exame de saúde. Ficaram descalços e de busto nu, andando de sala em sala da Policlínica Militar. De vez em quando, entravam numa sala, onde eram submetidos a exame sumário.
O médico militar encarregado do Exame Neuropsíquico nem erguia os olhos do papel em que vinham impressas as perguntas que devia fazer.
– Gosta da vida militar?
– Não, senhor.
– Pretende fazer carreira no exército?
– Não, senhor.
– Houve algum louco em sua família?
– Não, senhor.
O médico rabiscava “normal” na ficha e gritava:
– O seguinte!"
A classe média que se fazia representar na imprensa e que foi para rua pedir a entrada do Brasil na guerra não atravessou o Atlântico para lutar, segundo Schnaiderman estes foram muito poucos diante da massa de brasileiros pobres, manobrados, maltratados, expostos à toda sorte de abusos que durante um ano passaram pelo processo de desumanização que forja o soldado em uma guerra.
A narrativa de Schnaiderman é coisa à parte, de deixar tonto mesmo com a troca de um narrador onisciente para a narrativa em primeira pessoa de João Antônio, depois que entendi o que estava acontecendo parei de me perder. Bom livro, para ler sem parar.