Michel 14/08/2019
Um autor que ainda não descobri
Se você costuma usar resenhas de livros como orientação e sugestão de leitura, creio que esta não lhe servirá de nada. Menos ainda atente-se à pessoalidade da nota inserida ao término da mesma. Sim, pois talvez eu tenha cometido o equívoco venial de começar a ler Samuel Beckett por este MALONE MORRE. Trata-se aqui de uma obra subjetiva e multifacetada, que embora eu aprecie bastante o estilo, esta me foi uma leitura demasiado esgotante.
A trama é narrada pela personagem do título; um homem velho, moribundo, aparentemente debilitado e preso a uma cama de um confinamento que pode ser um hospital, manicômio ou similar. O cara possui apenas sua visão limitada do quarto, uma janela com restrita permissão visual, alguns poucos pertences os quais ele usa um lápis para escrever sobre aleatoriedades e, acima de tudo, suas infindáveis incertezas.
Malone não sabe onde se encontra, muito menos sabe dizer qualquer coisa sobre si mesmo com plena convicção. Externaliza seus pensamentos de maneira desordenada e é exatamente isso o que resume a leitura de seus relatos: desordem e mais desordem. Encontrar instantes de coerência ou permissividade aqui é algo incerto, talvez impossível. Samuel Beckett mantém a linguagem hermética por toda a trama, não nos fornecendo nada e encerrando de forma igualmente enigmática.
Por toda a leitura eu tentei alcançar o escopo psicológico do narrador, um homem claramente desprendido de qualquer forma de absolutismo, condição geralmente compreendida por aqueles que se encontram em situações similares a da personagem: o flerte progressivo e determinante da finitude.
Seus relatos começam com certa lógica, mas logo descaem para o absurdo. Quando descreve lugares, pode-se intuir tanto como uma visão distorcida do ambiente como uma mera metáfora. É notório como praticamente tudo e todos são sofríveis, personagens em limites extremos, insanos, feios, excluídos. Outras vezes somos remetidos aos arquétipos propositais do narrador, ou suas lembranças nebulosas e pouco confiáveis, ou estamos mesmo diante da tentativa de se narrar a miséria do ponto de vista de um miserável do modo mais cru que já li na vida.
Por vezes eu tive que fazer pausas por imaginar que havia perdido o foco da atenção. Relia, muitas vezes, páginas inteiras já lidas e a desordem perdurava imponente na minha cabeça. Contudo, durante toda a leitura havia um elemento que jamais se afastava de mim: a noção da indigência do ser. Seja a indigência do próprio narrador, de suas desafortunadas personagens ou de nós leitores, determinados a seguir acompanhando com nossa precária falta de percepção do que nos é mais acessível: a condição da penúria.
Seja lá o que Samuel Beckett quer nos passar com seu MALONE MORRE, a mensagem incutida na obra certamente me escapou. O fato é que em nenhum momento a trama segura na mão do leitor; é como se ela nos dissesse: terás que percorrer sozinho o vale dos indigentes. E faltou-me maturidade para tal.
MALONE MORRE é uma leitura complexa e inclemente que até mesmo a gramática parece querer nos confundir. Não é inacessível, mas carece sobriedade e desprendimento. Difícil de ser recomendada por seu teor sugestivo e impossível de ser resenhada... Enfim, esqueça tudo o que disse aqui.
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