Pandora 14/10/2016
Antes de mais nada gostaria de avisar: escrever sobre Malone Morre não foi um exercício fácil. Samuel Backett abriu mão de todos os artifícios tradicionalmente facilitadores da leitura, o texto não é divido em capítulos, os parágrafos são longos, nem sempre ele respeita as regras da gramática em um texto difícil de adjetivar.
Nele conhecemos Malone, um homem já idoso, doente, preso em uma cama de um lugar indefinido, pode ser um hospital, asilo, manicômio, casa de repouso... Ele não sabe onde se encontra, nós também não sabemos. Estando em dias de morrer, Malone se mune de lápis e caderno e para preencher seu tempo ocioso escreve o inventário de seus poucos bens e histórias aleatórias sobre personagens igualmente aleatórios, os quais podem ter ligação com seu passado ou não.
Nada é claro ou óbvio em Malone Morre. Se as histórias contemporâneas pecam pelo excesso de explicações, os autores e autoras constantemente fazendo questão de explicar milimetricamente ao leitor todas as suas intenções ao expor seus personagens a essa e aquela situação, Beckett não libera nada. Há ao nosso dispor apenas o personagem principal e sua viagem psicológica através das histórias absurdas criadas por ele, as descrições milimétricas do quarto onde vive, a paisagem vista de sua janela, os seus pertences. Se tudo aquilo tem significado implícito, se há alguma critica a realidade, se cabe problematização ou não, se há sentido para tudo isso... Bem... Cabe ao leitor a responsabilidade de ligar os pontos, procurar sentidos, descobrir se há genialidade na história realmente ou os elogios ao autor são vazios e o "Imperador está nu"¹.
Para mim, evidente mesmo no texto de Samuel Beckett são sujeitos marginais: pobres, mendigos, doentes, subempregados, habitantes daquele mundo existente abaixo da linha da pobreza. Ele aborda o cotidiano dessas pessoas de uma forma muito crua, assertiva, sem dramas, sem aquela romantização da vida tão corriqueiramente feita para arrancar lágrimas de nosso coração sensível. A vida, ou a sub-vida, dos miseráveis emerge da narrativa de Beckett como o que é: ABSURDA.
Todas as histórias contadas por Malone, quer façam parte do seu passado ou não, são absurdas. O próprio Malone e seu inventário de objetos pessoais equilibrados entre souvenir e lixo, esse homem idoso isolado em um quarto de um local desconhecido a ele mesmo, imobilizado em um cama sem contato com qualquer ser humano, é um absurdo. Malone Morre é chocante, cru, ABSURDAMENTE REAL, palpável, encontrável em qualquer esquina... Como pode??!?!?
Dito isso, preciso admitir, as 128 páginas de Malone Morre me soaram tão pesadas quanto por exemplo as mais de mil páginas de Os miseráveis. A temática dos dois livros são semelhantes, divergindo apenas quando Victor Hugo te mata de tanto chorar e Samuel Beckett só te deixar "absurdada" no canto, pensando em o quanto a vida é absurda.
____________________________
Notas:
¹ Referencia ao clássico conta de Hans Christian Andersen "A nova roupa do Imperador".
site: http://www.oquetemnanossaestante.com.br/2016/10/malone-morre-resenha-literaria.html