Fundamentação da Metafísica dos Costumes

Fundamentação da Metafísica dos Costumes Immanuel Kant




Resenhas - Fundamentação da Metafísica dos Costumes


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Lauro Edison 21/07/2011

Fundamentação da Metafísica dos Costumes - Immanuel Kant
(Texto escrito há 7 anos, em 20.09.04)

Quando um filósofo tentou, em vão, justificar racionalmente a existência da moral

Em 1785 um homem chamado Immanuel Kant escreveria a Fundamentação da Metafísica dos Costumes. O título "oficialesco" já deixa entrever que seu objetivo filosófico só poderia pretender ser algo definitivo e perene, completo, livre de contradições, conclusivo. Como tudo em sua vida, Kant também argumentava seguindo estritamente pelos caminhos seguros, firmes, matemáticos. Sua vida extremamente regrada faz compreender o motivo pelo qual este filósofo preferiu defender uma teoria tão repressiva e, não bastasse isso, trabalhar ferozmente no sentido de torná-la inquestionável.

Obviamente, ele não o conseguiu. Ainda assim é fantástico acompanhar a incrível habilidade com que ele conduzia sua argumentação. Seu processo sistemático pouco (ou nada) importava-se com a inteligibilidade do texto. Tinha por gosto complicar a vida do leitor. Kant é prolixo. Com alguma paciência, entretanto, é possível se entusiasmar com as acrobacias lógicas de sua mente. E, apesar de ter, na prática, sedimentado o falso valor da moral na sociedade, foi Kant o primeiro a colocá-la no campo da filosofia e, portanto, torná-la passível de questionamentos.

Neste livro, afinal, Kant se ocupa em estabelecer as bases para justificar a necessidade real e a existência concreta do princípio moral. Antes, porém, ele trata de renovar o conceito de lei moral, tirando-o do campo dos dogmas e o trazendo para o campo das idéias e da razão. Para tanto o filósofo parte de um pressuposto. Erro fatal em filosofia. Ele pressupõe que a natureza concedeu a razão ao homem como forma de superar o instinto animal, de substituí-lo. Não se pergunta, por exemplo, sobre a possibilidade de que o instinto animal não seja algo que o ser humano precise superar. E provavelmente não é. Ainda assim, cínico ou ingênuo, Kant prossegue. Argumenta que a vontade de satisfazer um desejo é movida pelo impulso, ao passo que a vontade de obedecer a razão é gerada por um motivo. Deste ponto ele deriva a idéia de que somos livres somente quando nos submetemos à lei moral universal, que nada mais é do que a obrigação de agir racionalmente. Escravidão, neste caso, é sucumbir aos impulsos irracionais.

Percebe, contudo, que uma lei universal não pode jamais se basear na experiência, que é algo eventual e inconstante, mas deve, pelo contrário, ser perceptível a priori, ser demonstrável, portanto, através de uma razão pura, uma razão que se apóie apenas em lógica, que é uma propriedade constante do universo. Assim como você não precisa experimentar nada para ter a convicção de que dois mais dois são quatro, Kant pretende formular o princípio moral de maneira igualmente inquestionável e segura. Procura encontrar a lei moral na pura lógica inerente aos seres racionais e ao universo, derivando daí uma obediência irrestrita.

Apenas deste modo ele consegue elaborar uma teoria moral livre de contradições e sem quaisquer exceções, porém não sem uma série de implicações estranhas ao bom senso, como o dever de falar a verdade a um assassino que esteja caçando seu amigo. Mas enquanto não encontra o ponto de apoio que procura, ele desenvolve o "interior" de sua teoria, numa espécie de "como seria se fosse". Discorre sobre os detalhes da suposta lei universal inerente a todos os seres racionais e à qual todos eles devem obediência.

Quando finalmente o livro chega no ponto de demonstrar que o princípio moral é mais que uma abstração sem valor, isto é, que existe de fato na lógica do universo e dos seres racionais, parece esbarrar nas próprias regras de argumentação que criou. Ou simplesmente na razão. O problema óbvio é: se o princípio moral é algo que deve prevalecer sobre qualquer possibilidade de prazer "efêmero", então deve, ao ser respeitado, causar uma satisfação que supere qualquer gozo inferior. No momento chave, porém, Kant admite não poder investigar racionalmente a necessária "satisfação natural" que um indivíduo racional deveria sentir ao obedecer à lei. Contenta-se, neste caso, em dizer que este sentimento moral, embora não possa ser provado, é obviamente sentido até pelo "pior facínora", segundo suas palavras. Seria como a lei física da inércia, que não se pode provar e ainda assim "sabe-se" que existe (ou seja, não se tem certeza!). O filósofo lutou tanto para ser incontestável e terminou por cair em uma mera questão de preferência, ou até de alergia.

Ao mesmo tempo em que Kant via a moral como uma lei a ser obedecida - ponto indispensável para desqualificar e punir quaisquer possíveis atos "imorais" -, percebia que a atitude moral verdadeira, enquanto universalmente correta, só poderia ser espontânea. Viu-se em apuros lógicos. Postulou, portanto, a existência de um sentimento moral inerente ao ser humano, que não pôde provar [mesmo porque, como o éter dos físicos, não existe].

Este sentimento moral, que se tornou o "Calcanhar de Aquiles" da teoria kantiana, seria o responsável pela suposta "satisfação maravilhosa" sentida por quem dispusesse somente de atitudes racionais. "Atitude racional", para Kant, no entanto, nada mais é do que evitar quaisquer impulsos irracionais - que muito corriqueiramente são prazerosos ou buscam o prazer. Sua teoria pretende, portanto, e sem qualquer sucesso, que o maior prazer que existe é, precisamente, evitar todos os outros. Não bastasse, ele ainda batiza esta repressão aos "terríveis desejos irracionais" de liberdade. Ser livre seria, portanto, sujeitar-se a leis que te proíbem de ter qualquer forma de tesão.

Como esperado, sua tentativa de racionalizar um dogma resultou, de forma previsível, em destruir o mesmo dogma. Apesar disto Kant sedimentou o "espírito moral" na civilização. Um filósofo deve, em tese, procurar a verdade livre de quaisquer intenções preliminares. Mas especialmente Immanuel Kant, influenciado por forte educação religiosa, nunca esteve sujeito a esta lógica simples. Em sua época o aconselhável não era "tentar entender como o mundo é", mas sim "tentar entender como o mundo é uma confirmação dos dogmas cristãos". A existência de Deus e a decorrente necessidade de justiça, compaixão, humildade e outros preceitos afins eram fatos consumados. Duvidar era crime. Filosofar, portanto, era apenas ratificar as afirmações religiosas através da razão. Neste cenário a boa vontade para com os deslizes lógicos de Kant só poderia ser algo de estonteante. Nada mais genial, entretanto, do que afirmar que Deus não pode ser confirmado pela razão e, ainda assim, está assegurada sua existência pela fé. ? Ok, isto não é da "alçada" da razão...

*****

(21.07.11)

P. S.: a parte onde afirmo que Kant foi o primeiro a colocar a moral no campo da filosofia é ridícula, rsrsrs. Na época eu não conhecia história da filosofia, tinha uma ideia vaga sobre a Igreja ter reprimido o pensamento desde sempre e resolvi chutar. Ignorando Hobbes, Hume, Locke... Mesmo Platão, Epicuro, Aristóteles... errei feio.

P. S.²: de modo geral, ainda concordo com este texto. Mas penso que ele é vago. Super resumindo os remendos que eu faria, hoje penso que só existe racionalidade (ou irracionalidade) em relação a objetivos. Uma pedra não pode ser racional ou irracional, pois não tem objetivos. Mas nós temos. E nossos objetivos são, precisamente, os nossos "impulsos animais" - são eles que determinam o que nos causará prazer ou sofrimento. São eles que nos motivam. O que Kant deprecia como "impulsos irracionais" são, na verdade, a base de nossas decisões racionais. Ele não poderia estar mais errado: ignorar nossos impulsos animais é ignorar nossos objetivos. É o cúmulo da irracionalidade. E nem sei se eu sabia disto na época, mas esta é exatamente a crítica que Nietzsche faz a Kant.
Elder Prates (Escritor) 17/11/2014minha estante
Não é só superficial o seu texto, Lauro. Ele possui vários pontos de vista que não existem no texto de Kant e nem condizem com a moral kantiana. Existem colocações subjetivas, não sendo assim, fidedigno ao texto.


Nandy 14/11/2021minha estante
Ih virou hater do kant? Kkk


Elder Prates (Escritor) 05/01/2022minha estante
Não, Nandy. É só questão de fidelidade acadêmica; em um texto filósofo é preciso primeiro entender e depois sim refutar ou concordar com o texto, no entanto, também usando argumentações lógicas e filosóficas. Um texto filosófico não é como uma literatura que permite a opinião dada por gosto, mas sim, com embasamento. Senão você não sabe o que é Filosofia.




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