“Por que este livro é tão importante? Porque está de volta, com força renovada, uma concepção de mundo que se apresenta como verdade indiscutível e autodemonstrada – o neoliberalismo –, que esconde a um só tempo suas origens históricas e conceituais e suas ligações com paradigmas ancestrais da economia política. É um pobre reducionismo que naturaliza as relações humanas, diga-se sociais, expresso sans ambages na frase de Mrs. Thatcher de que não há sociedade, só indivíduos, o que nos remete a parentescos nada honrosos: os tigres são animais solitários – ao contrário de outras espécies gregárias como os leões –; logo, indivíduos (Mill), que somente se guiam pelos seus instintos (interesses utilitários, Bentham, noblesse oblige); quando em bandos não alteram suas percepções (Mill, de novo).”
Francisco de Oliveira
Em Modernidade e discurso econômico, Leda Paulani, professora de economia da USP, dedica-se a um ofício cada dia mais raro na sua área de estudo: analisar as raízes filosóficas e ideológicas das idéias e dos discursos na economia. Em um mundo onde a política econômica é tratada como engrenagem mecânica “sem opção”, pairando como ciência pura e inquestionável, acima e mandando na política e seus partidos, Leda recupera o debate sobre os fundamentos teóricos da economia política, o contexto social e as idéias filosóficas que influenciam as correntes econômicas. Uma questão que se relaciona com os embates e discussões cotidianas sobre os rumos do Estado, do país e as “receitas” prognosticadas pelos economistas ortodoxos, os maiores defensores da “pureza” da ciência econômica.
Leda analisa os autores e o ambiente político que influenciam esta ciência: “...a história das idéias não se determina por si mesma; a produção das idéias determina-se inescapavelmente pelo lugar histórico de sua germinação, pelas circunstâncias temporais e pelas contingências locais da vida material onde são geradas, donde sua inevitável transformação ideológica quando deslocadas de seu lugar de origem”, explica a autora na introdução do livro.
A partir deste princípio, Leda discorre sobre a obra e a influência da evolução das idéias modernas e pós-modernas, com suas contradições entre indivíduo e sociedade, partindo desde Hegel, até desaguar no neoclassicismo do discurso econômico ortodoxo, passando pelas suas bases no utilitarismo de Jeremy Bentham, nas idéias de Adam Smith, John Stuart Mill e Hayek.
O livro traz ainda uma profunda análise das limitações do trabalho de Donald Mcloskey sobre a retórica no discurso econômico, recebido com entusiasmo por muitos críticos do neoliberalismo, mas que é extremamente crítico da modernidade e não propõe uma alternativa ao pensamento único.
No último capítulo, a partir das análises de Karl Marx e Guy Debord, Leda retoma a importância da crítica da economia política e do ideário da modernidade, de não se perder de vista seu significado em termos de projeto de emancipação, muito diferente da visão neoliberal que trata as relações sociais, e dentre elas a economia, como um fenômeno “natural”, como se fosse natural e inevitável a crescente desigualdade, pobreza e outras “maravilhas contemporâneas” do capitalismo. É contra os cinismos da “falta de opção” ou dos que tudo relativizam como mera e inconseqüente retórica, que Leda desvenda as raízes do pensamento que fundamenta idéias e do que justifica a falta delas na economia.