Maria16331 23/04/2023
A efemeridade tragicômica de Rugas
Existe uma contradição muito gostosa em Rugas. Ao mesmo tempo que Paco Roca fez dessa história um vislumbre doce e niilista de como as coisas nessa vida se esvaem rápido como líquido, ele fez desse líquido um ácido corrosivo e nos deu para beber. Mas, ei, que gostinho bom ele tem!
Além disso, apesar dessa questão da efemeridade, você termina a HQ com uma sensação de que as histórias que construímos ao nos relacionar com as pessoas e o mundo, de alguma forma, fazem de nós pessoas eternas, mesmo que uma construção capitalista da sociedade tente as tornar invisíveis quando perdemos "valor de mercado".
Vou listar os pontos que mais me chamaram a atenção:
Existem recursos estilísticos ao longo dos quadrinhos para simbolizar a noção de deslocamento no tempo que as pessoas com mal de Alzheimer podem sofrer, e ao própio processo de esquecimento. Esses recursos são ótimos e bastante criativos.
Em algum momento da HQ, existe na ilustração uma referência (eu acho) excelente ao estilo do artista William Charles Uttermellon, após a demência mexer com a percepção de si mesmo e da realidade.
É extremamente necessário haver uma sensibilidade da parte do escritor com qualquer questão da humanidade, e o autor não deixou de considerar tal coisa. Visitou asilos, se baseou em histórias reais, procurou ajuda de especialistas e considerou o ponto de vista de cuidadores, familiares e pacientes.
Também quero tirar uma partezinha da resenha para admirar a forma como o autor resolveu terminar a narrativa. A vida continua!
Em fim, A história é tocante do início ao seu final. E você demora para superar quando ela acaba, porque no fundo, sabe que você aqueles personagens só existem ali, e que você não vai encontrá-los na sua rua.
Uma declaração final e uma menção honrosa: primeiro, eu amo o Miguel, com todos os defeitos que ele tem. Segundo, as histórias de Modesto e Dolores, e do senhor cujo esposa não mais o reconhece, são umas das mais belas histórias de amor que li em apenas alguns balões de diálogo ou seções de quadros.
Obrigada, Paco Roca!