Publicado pela primeira vez em 1983, "Representar e Intervir: tópicos introdutórios de filosofia da ciência natural" merece ser considerado hoje, sem exageros, um clássico na bibliografia de filosofia da ciência. Apesar de escrito como introdução a essa disciplina, destinada aos calouros universitários norte-americanos, seu alcance é muito mais amplo, na medida em que a perspectiva filosófica adotada representou, à época, uma inovação profunda. Diferentemente da maioria dos livros dedicados ao tema, Hacking se interessa em compreender a natureza da atividade científica a partir da perspectiva da experimentação - incluindo a instrumentação -, e não da teorização.
Ao privilegiar a experimentação, o filósofo contribuiu para mostrar que esta não se constitui apenas como elemento de comprovação empírica das teorias científicas. A experiência - incluindo o laboratório - tem vida própria. Em outras palavras, a ciência não deve ser resumida à elaboração de teorias científicas. O impacto dessa tese se fez sentir além das fronteiras do realismo científico - tema central do livro e em favor do qual seu autor oferece uma inovadora argumentação -, alcançando temas clássicos da filosofia, como racionalismo e verdade. Hacking defende um realismo de entidades, e não de teorias, como é mais comum. As entidades, como os elétrons, entre outras, existem se soubermos manipulá-las ou provocar intervenções deliberadas e planejadas no real.
Dividido nas duas partes que lhe dão nome, com um interlúdio entre elas, o livro é claro, arguto, provocante e bem-humorado, contrariando uma característica, muitas vezes atribuída a filósofos e filósofas, de que a filosofia não tem humor. Apesar de ter sido escrito como um livro didático em nível universitário, pode ser lido por qualquer pessoa.
A presente e pioneira tradução brasileira é acompanhada de um prefácio, especialmente escrito pelo próprio Hacking, no qual há uma espécie de autoavaliação de impacto do livro, e de um texto de André Luis de Oliveira Mendonça, que serve como introdução não apenas à obra, mas também ao pensamento daquele que é um dos mais interessantes e lúcidos filósofos desta virada de século.