Desde suas origens, o neoliberalismo procede de uma escolha fundadora, a escolha pela guerra civil. E essa escolha continua, ainda hoje, direta ou indiretamente, a comandar suas orientações e suas políticas, com o recurso cada vez mais explícito à repressão e à violência dirigidas às sociedades. Guerra pela concorrência e contra a igualdade. Trata-se, neste livro, de acrescentar um capítulo que se tornou fundamental às genealogias existentes, escrito à luz das formas cada vez mais brutais das políticas neoliberais. O que aparece ao se puxar esse fio não é um neoliberalismo “novo” ou “degenerado”, mas a face mais sombria de sua história, a de uma lógica dogmática implacável que não hesita em relação aos meios empregados para enfraquecer e, se possível, destruir seus inimigos.
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É bastante comum pensar o neoliberalismo como um corpo doutrinário, um conjunto fixo e coerente de princípios e políticas públicas, insensíveis à diferença das circunstâncias. Ao recuperar sua história prática, os autores deste livro mostram, ao contrário, que o neoliberalismo constitui uma racionalidade estratégica, com grande flexibilidade para se adaptar a mudanças de tempo e geografia.
Como uma prática que vai refletindo sobre as próprias experiências, o neoliberalismo desdobrou-se ao longo do tempo como um leque variado de opções, não necessariamente consistentes entre si, mas sempre justificadas pela meta estratégica: a sociedade plenamente concorrencial. Não por acaso, os homens e as mulheres que a encarnaram foram capazes de servir tanto a regimes autoritários, como na experiência seminal da ditadura chilena, quanto a regimes democráticos.
Justamente graças a essa dimensão estratégica, o neoliberalismo se apresenta não como uma desprendida linhagem intelectual, mas como uma opção de combate, um campo para aglutinar forças heterogêneas, porém dispostas a vencer um inimigo comum. Os neoliberais constroem as figuras concretas desse inimigo como o avesso de sua meta substantiva, isto é, os partidários sociais da igualdade, em suas distintas variantes, não importa se o socialismo, o sindicalismo, o Estado de bem-estar ou a própria democracia. E isso os leva, ao contrário da estampa antiestatista que carregam, a dar grande importância à apropriação e emprego contínuo do poder do Estado, pois é com seus recursos — a aura de legitimidade, a burocracia e a forma jurídica, mas especialmente os meios da violência — que o combate pode ser travado até suas últimas consequências. Ao fazer do Estado o pivô de uma dialética schmittiana (“amigo versus inimigo”), o neoliberalismo acaba se configurando, na visão dos autores, como um repertório de “estratégias de guerra civil”, seja para opor elites econômicas contra grupos sociais insubmissos, seja para opor, através do que chamam de “guerra dos valores”, as próprias classes populares entre si.
Combinando com maestria o material histórico relevante e a análise teórica fina, este livro chega ao Brasil em muito boa hora, para nos ajudar a compreender como e por que se tornou possível chegar à aflitiva conjuntura em que nos encontramos.
— Cicero Araujo, na orelha
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