Já desde séculos se perdera a memória do lugar que ocupava aquela torre nas complicadas fortificações da Honra e Senhorio de Santa Ireneia. Não era decerto (segundo padre Soeiro) a nobre torre albarrã, nem a de alcáçova, onde se guardava o tesouro, o cartório, os sacos tão preciosos das especiarias do Oriente — e talvez, obscura e sem nome, apenas defendesse algum ângulo de muralha, para os lados em que o castelo enfrontava com as terras semeadas e os olmedos da Ribeira. Mas, sobrevivente às outras mais altivas, compreendida nas construções do paço formoso que se erguera de entre o sombrio castelo afonsino, e que dominava Santa Ireneia durante a dinastia de Avis, ligada ainda por claras arcarias dum terraço ao palácio de gosto italiano, em que Vicente Ramires converteu o paço manuelino depois da sua campanha de Castela; isolada no pomar, mas sobranceando o casarão que lentamente se edificara depois do incêndio do palácio em tempo de el-rei D. José, e a derradeira certamente onde retiniram armas e circularam os homens do terço dos Ramires — ela ligava as idades e como que mantinha, nas suas pedras eternas, a unidade da longa linhagem. Por isso o povo lhe chamara vagamente a «Torre de D. Ramires».
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