A Última Fábula - livro de Liliana Laganá publicado pela Casa Amarela, nos conduz a uma viagem cujo destino é Fratterosa, uma pequena aldeia dos Apeninos, na Itália. Nossa guia, nessa viagem, é uma menina resgatada de sob as camadas de lembranças que o tempo não apagou e que compuseram a história da autora. Essa menina, que gentilmente nos abre o caminho de suas próprias recordações, leva-nos a vivenciar uma época de grandes dificuldades, a Segunda Guerra Mundial.
No livro, a menina, ao encontrar-se no vagão de um trem de carga que transporta refugiados da guerra, deparando-se com uma realidade quase insuportável conclui: Mamãe disse que a guerra acabou, mas eu acho que não, acho que é uma guerra, esta minha, uma guerra ou uma carestia, essas são palavras de coisas ruins, nonna sempre dizia isso, e acho que é isso, ou uma outra coisa que não sei... Mas, em meio a essa dor que não sabe nomear, a menina encontra um refúgio recordando-se das fábulas contadas pela avó - nonna Gemma.
Ao ler o livro de Liliana Laganá, geógrafa e mestra em literatura italiana, tive comprovada uma certeza: é possível reencantar mesmo a realidade mais dramática. Ao resgatar o mundo mágico das fábulas contadas pela avó, sobrepondo-o à paisagem fuliginosa do trem que a conduzia para longe da infância, Liliana recria uma Fratterosa interior, um lugar onde permanecem intactas e imortais as personagens dessas fábulas, a velha avó e a própria menina que, anos depois, vem nos contar as mesmas histórias.
Ao escrever partindo do real, recolhendo fragmentos de sua experiência e transformando-os em expressão literária, Liliana nos revela que não há esquecimento; a imaginação reforça os contornos do mapa da memória, aguça a sensorialidade e todos nós, leitores, sentimos o calor da cama de nonna Gemma: Tudo nela era gostoso, os colchões de lã de carneiro, o acolchoado, também de lã de carneiro, os lençóis brancos e cheirosos de bucato; ouvimos sua voz, encerrando mais uma fábula: fui ao moinho/ moí a farinha/ contai a vossa/ que contei a minha.
Sabemos que quando um narrador registra o seu tempo, transcendendo-o, realiza a verdadeira literatura, aquela que traz em si o dom de ser para sempre atual, sempre nova; nesse sentido, Liliana Laganá está cumprindo uma missão fundamental: transformou a sua nonna numa personagem de contos de fadas com poder de acalentar as noites de muitos leitores, ao mesmo tempo em que universalizou um recanto do mundo Fratterosa, que pertencia somente a ela e hoje pertence a nós, seus leitores.
Ao ler o livro, entendemos que a última fábula nunca será contada, não enquanto houver memória, enquanto houver uma voz como a de Liliana nos contando histórias.