De um lado, uma mulher viaja num trem rumo a Paris, onde vai dar uma conferência na Sorbonne, e se recorda da menina que a gerou. Do outro, uma menina parte de seu presente para encontrar a mulher que ela se tornou.
As duas histórias deste livro comovente de Simone Paulino, vão se cruzar pelas mãos do leitor que, não sem surpresa, descobrirá o que une ambas, a mulher-menina de Em retratos e a menina-mulher de Abraços negados. Na primeira narrativa, temos um álbum que represa, em suas “fotos”, instantes de luz e sombra de uma vida, plasmado na arquitetura dos vitrais (que só existe pela junção dos cacos).
Se o menino é o pai do homem, como disse Machado de Assis, aqui a menina (lembrada) é a mãe da mulher (que lembra). Mas não basta aquela gerar essa – como afirmou outra Simone (a de Beauvoir), é preciso se fazer mulher (o que é sempre prova de resistência). Na segunda história, as reminiscências saem do 3×4 e assumem a visada da mulher já no mundo adulto, em fragmentos maiores, que registram ausências tão dolorosas quanto as presenças, pois essas, embora amadas, são testemunhas dos afagos suspensos.
O chão, as cores e as perdas na infância ganham beleza pelo líquido revelador (a escrita afetiva) de Simone Paulino. Ao fim, o leitor compreenderá por que na confluência da latitude (uma história) com a longitude (a outra história), irrompe uma margarida supra-literária – irmã daquela que brotou, entre as gretas do asfalto, nos versos drummondianos de A flor e a náusea.
Por João Carrascoza
Ficção / Literatura Brasileira / Romance