CHICO BUARQUE EM 80 CANÇÕES

CHICO BUARQUE EM 80 CANÇÕES André Simões


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CHICO BUARQUE EM 80 CANÇÕES





Em 2006, por ocasião do lançamento do álbum Carioca , Chico Buarque concedeu uma entrevista à Folha de S. Paulo , onde eu trabalhava. A certa altura da conversa, comentei que ele transmitia a sensação de que gostaria de ver seu trabalho mais bem compreendido. Veio então a resposta: “Sei que é difícil falar do disco. Até para mim é difícil. Em jornal, crítico de música geralmente é crítico de letra. É compreensível que seja assim ― a letra vai impressa, o crítico destaca este ou aquele trecho. Funciona assim. Eu cada vez mais dou importância à música e tenho vontade de dizer: ‘Olha, só fiz essa letra porque essa música pedia. Isso não é poesia, é canção’. Enfim, fico um pouquinho chateado com essas coisas, mas sei que é difícil”.

O livro que o leitor tem em mãos leva a sério o desabafo de Chico feito quase 20 anos atrás e encara o desafio. Já no prefácio, André Simões diz que “para analisar uma canção, requer-se a utilização de critérios próprios e adequados. A indissociabilidade entre música e letra é apenas o mais básico deles”. Depois de enumerar outros elementos que devem ser pesados ― arranjo, interpretação, performance etc. ―, ele conclui que a canção é “um objeto de estudo fortemente interdisciplinar”.

É com essa disposição que o autor se debruça sobre 80 canções de Chico Buarque, dispostas ao longo de quase seis décadas de criação. O livro abre com “Pedro pedreiro”, de 1965, e se encerra com “Que tal um samba?”, de 2022. Mas, antes de falar sobre a setlist , vale a pena insistir mais um pouco na caixa de ferramentas que o autor mobiliza.

Arpejo, cromatismo, harmonia, intervalo dissonante, melodia, paronomásia, redondilha menor, síncope, tessitura, trítono ― esses e outros conceitos, mais ou menos cabeludos, constam do glossário que antecede a leitura das canções. Sem ele muita coisa se perde na leitura. A formação híbrida do autor ― Simões é um jornalista que estudou música e literatura ― faz com que ele transite entre análise formal, contextualização histórica e comentários circunstanciais, iluminando de vários ângulos cada canção. A ênfase pode cair sobre um ou outro aspecto, sem que a análise seja engessada numa fórmula, mas com a preocupação constante de não baratear a complexidade de cada obra. Para quem é leigo em música, meu caso, não é por vezes uma leitura fácil, mas o esforço quase sempre é recompensado pela descoberta de aspectos não evidentes de canções que eram nossas velhas conhecidas desde sempre.

Ao eleger as 80 canções do livro, Simões não se preocupou em selecionar as melhores ou os maiores sucessos. Obrigou-se apenas a contemplar o conjunto da trajetória de Chico, pinçando pelo menos uma canção de cada álbum solo do artista. Clássicos como “Construção”, “O que será” e “Beatriz” dividem as atenções com músicas menos consagradas, como “Embarcação”, parceria com Francis Hime, “A ostra e o vento” e “Tua cantiga”, esta última com Cristovão Bastos.

Chico Buarque em 80 canções é um livro exigente, que pode ser lido em qualquer ordem, de acordo a preferência musical ou a curiosidade de cada um. Mas é sobretudo um livro para ser ouvido ― e o autor sugere uma gravação específica de cada canção, que pode ser acessada pelo QR Code nas páginas iniciais da obra.

Ao concluir a leitura, me lembrei do que Carlos Drummond de Andrade escreveu a respeito de Pelé: “O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé. É fazer um gol como Pelé”. Chico nunca se preocupou em contar seriamente o número de canções que já compôs. Ele estima que seja algo em torno de seiscentas, um pouco menos, entre originais e versões. Não é o que importa. O difícil, o extraordinário, não é fazer 600 canções, como Chico Buarque. É fazer uma canção como Chico Buarque.

Fernando de Barros e Silva

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