Em Dezessete anos, Colombe Schneck estabelece um diálogo direto com a escritora Annie Ernaux, Prêmio Nobel de Literatura. A ideia do livro surge como resposta ao que Schneck descreve como uma espécie de convocação de sua antecessora: “Senti como se ela se dirigisse a mim. Eu precisava contar o ocorrido naquela primavera de 1984”. Era preciso falar sobre a experiência do aborto, um dos atos mais frequentes e, também, mais secretos na história das mulheres. Assim, tal obra, agora no Brasil, traz uma importante contribuição a respeito desse tema tabu, sobre o qual tão pouco se falou na literatura e que envolve interditos ligados ao corpo da mulher.
A jornalista e escritora francesa Colombe Schneck é uma das mais importantes de sua geração. Possui uma obra com forte teor autobiográfico, plena de narrativas de filiação, relatos de infância, autoficções e romances autobiográficos. Dezessete anos foi lançado na França em 2015 e é o primeiro livro de Schneck a ser publicado no Brasil.
Trata-se de um relato pungente do aborto vivenciado pela autora-narradora em 1984. Nesse momento, o procedimento já era legalizado na França, tendo sido realizado em boas condições sanitárias, bem diferente da experiência relatada por Ernaux e da realidade brasileira, na qual um número expressivo de mulheres morre todos os anos devido à insegurança da situação.
A experiência do aborto na obra, mesmo ocorrendo em um espaço-tempo privilegiado, não é “nem banal, nem conveniente”, como afirma a narradora, que vivia, até então, uma adolescência tranquila e despreocupada na Rive gauche parisiense, até se deparar com uma gravidez indesejada. O acontecimento marca a sua entrada abrupta no mundo adulto e, sobretudo, a sua tomada de consciência de que a liberdade sem freios da qual supostamente desfrutava não existia, pois era limitada pela condição feminina. A descoberta do corpo de mulher, em Dezessete anos, é vivenciada como uma armadilha, trata-se de um corpo que restringe as liberdades.
O aborto permanece um tema tabu, mas Colombe Schneck contribui para diminuir o silêncio e a “solidão que envolve as mulheres que abortam”. É preciso falar sobre isso, é preciso ler Dezessete anos.
Laura Campos
Professora de Literatura Francesa da Uerj
Biografia, Autobiografia, Memórias / Literatura Estrangeira