Se um homem tenta, contra todo senso comum e todo mandato biológico, escalar uma montanha de oito mil oitocentos e quarenta e oito metros, qual seria a norma? Sobreviver, morrer? Seria preciso perguntar ao inglês, que leva consigo seus mapas, agora caídos junto ao corpo imóvel, sobre uma rocha, a cabeça apontando para o Oeste, as pernas em ângulo ayurvédico.
Um turista inglês cai durante uma escalada no Monte Everest. Enquanto decidem o que fazer diante dessa queda, os dois guias, que conhecemos apenas como “sherpa velho” e “sherpa jovem”, são forçados a encarar o abismo. E quando olhamos longamente para o abismo, o abismo olha de volta para dentro de nós. O que diz o abismo?
A partir desse mote, Dois Sherpas, do argentino Sebastián Martínez Daniell, mescla influências que vão de Samuel Beckett a tiras cômicas e tratados de geologia, passando por uma notável galeria de personagens históricos que inclui figuras como George Mallory, Lady Houston, John Hunt, Tenzing Norgay e Edmund Hillary.
Com estrutura fragmentária e capítulos que parecem pequenas vinhetas ou flashes de memórias, a narrativa vai percorrendo eventos marcantes da vida dos dois sherpas: um encontro em uma praia perdida no tempo e no espaço, uma apresentação escolar da peça Júlio César, de Shakespeare, um acidente com um Caterpilar, uma viagem de carro a Namche. Paralelamente, Daniell nos conduz por fragmentos da história da origem do povo sherpa, do colonialismo e da exploração, em uma brilhante excursão pelas paisagens e pela simbologia das montanhas do Himalaia.
Literatura Estrangeira