Obra do autor cearense Manuel de Oliveira Paiva, Dona Guidinha do Poço resgata elementos da cultura nordestina e pormenores da vida interiorana, na história de uma mendiga que, no final do século XIX, era alvo de piadas nas ruas, por ter sido condenada pela Justiça de Quixeramobim pelo assassinato do próprio marido. A tragédia inclui elementos de vingança, prisões e mortes.
É a saga da fazendeira Marica Lessa. Essa via foi devassada pelo historiador Ismael Pordeus que teve acesso em cartório de Quixeramobim, ao processo em que a poderosa fazendeira Marica Lessa respondeu pelo assassinato de seu marido o Cel. Domingos d´Abreu e Vasconcelos por volta de 1853. A fazendeira poderosa amasiou-se com um sobrinho do marido, Senhorinho Pereira, e contratou o executante do crime contra seu consorte. Descoberta a trama, a desditosa dama foi condenada a muitos anos de prisão, vindo a cumprir sua pena na cadeia pública de Fortaleza. Ao ser solta, semi-enlouquecida e depauperada, perambulava pelas ruas da capital até quando morreu como indigente. Foi nessa história real que se baseou Oliveira Paiva para escrever Dona Guidinha do Poço.
É um romance modelar do realismo brasileiro. Compromissado com a realidade, ele mostra uma história que realmente aconteceu, mudando os nomes dos personagens e acrescentando alguns detalhes ficcionais e ilustrativos. Depois há a coragem do autor em introduzir na sua linguagem o rico latifúndio lingüístico regional. O falar da região aparece como forma de trazer não só o homem mas principalmente sua fala para dentro do enredo. Além disso há outra realidade cruciante no romance, que ainda hoje se faz presente na região do semiárido nordestino que é a seca.
A seca, pois, e o regionalismo margeiam o tempo todo a saga trágica acontecida na fazenda Poço da Moita. A linguagem do povo está tão presente que necessária se tornou a elaboração de um glossário no final do livro. Com cerca de quinhentos verbetes esse glossário de termos bem demonstrativos do falar do sertão cearense comprova a preocupação do autor em devassar a vida daquela gente sofrida a partir da sua linguagem. Prova é que a partir da primeira expressão do livro “De primeiro” esse falar já se apresenta. Depois disso vão se configurando cenas e temperamentos entrevistos sem a crueza naturalista em moda, mas deixando-os subentendidos como na estética realista.
Dona Guidinha do Poço é, portanto, um romance comprometido com a estética realista, resgata a linguagem regionalista do centro sul cearense, apresenta uma história de paixão e morte que traz, secundando-a, o fenômeno climático da seca, tão marcante na região Nordeste como nos romances da geração de 30. Daí que o embrião para o romance de seca da segunda fase do nosso modernismo finca-se, segundo Alfredo Bosi, em Dona Guidinha do Poço, de Oliveira Paiva, Luzia-Homem, de Domingos Olímpio e A fome, de Rodolfo Teófilo. Esses três autores cearenses foram testemunhas da grande seca dos anos de 1877, 1878 e 1879. Essa temática aliada ao resgate que faz do regionalismo, faz com que se afirme que nenhum escritor cearense soube trabalhar com tanta felicidade a nossa linguagem do povo - sem desfigurar o conteúdo literário como Oliveira Paiva. Além disso há a técnica narrativa empreendida pelo escritor quando ele consegue tornar sugestiva qualquer minúcia, valendo-se de indicações objetivas para reforçar indiretamente o sentido da narrativa ou insinuar o caráter de um personagem.
Dona Guidinha do Poço, considerado por José Ramos Tinhorão como um clássico da literatura brasileira. Obra de profundidade, psicológica e sociológica, vale-se de um estilo vivo, onde se fundem poesia, reflexão, senso de humor, a presença do falar regional nordestino, além do aproveitamento das tradições orais e das narrativas dos contadores de história.