O volume "Escritos sobre a Guerra Civil Americana" surgiu de um interesse de cobrir uma lacuna existente no - já extenso - córpus de textos de Marx e Engels traduzidos para português: reunimos aqui 52 artigos comentados (a grande maioria inédita em nossa língua) escritos por ambos os autores, em inglês e alemão, enquanto atuavam como correspondentes internacionais do New-York Daily Tribune (dos EUA), Die Presse (da Áustria), Der Sozial-Demokrat (Alemanha) e demais veículos de mídia.
Além de suas contribuições para diversas das áreas teóricas das ciências humanas, Marx e Engels atuaram como jornalistas durante toda sua vida adulta. Isto é algo do qual facilmente nos esquecemos: muitos de seus textos famosos, que lemos hoje em formato livro, foram pensados e divulgados tais quais artigos de jornal.
Consequentemente, há muito a aprendermos quando retraçamos a trajetória dos dois pensadores em sua atividade profissional principal. Ao fazê-lo, podemos acompanhar de perto o desenvolvimento de suas melhores ideias: os conceitos de alienação, luta de classes, dependência etc., foram todos formulados conforme os autores se defrontavam com a realidade de gente de carne e osso, a qual investigava para escrever seus artigos. É justo dizer que o jornalismo lançou Marx e Engels ao grande mundo, e fez o primeiro romper com o grupelho dos Jovens Hegelianos (mais interessados em discutir questões abstratas da filosofia clássica alemã) rumo à cultura e interesses da classe trabalhadora. É o nascimento de Marx e do marxismo como conhecemos.
O segundo interesse por detrás deste lançamento se liga a seu recorte temporal: os artigos selecionados trazem análise importantes sobre a Guerra Civil Americana durante todo o período em que durou, de 1861 a 1865. Esta foi a guerra em que os estados do sul dos EUA se separaram da União em um ato de reivindicação do direito de manter a escravidão em seus territórios. Além de uma guerra permeada por óbvios interesses financeiros, deu início ao questionamento acerca de questões humanitárias e raciais que perduram na história dos EUA até hoje, e cujo desfecho foi a abolição da escravatura naquele país. (Da abolição técnica, ao menos, como formulou James Baldwin no 101o aniversário do evento). Essa abolição, junto da abolição haitiana de meio século antes, inspirou movimentos antiescravistas em Cuba, Brasil e demais países latino-americanos significantemente, e por isso são de interesse também para nós.
Ademais, aqui encontramos escritos valiosos para pensarmos na abordagem marxiana da questão do racismo. É um erro grosseiro dizer - como se ouve por aí - que Marx e Engels não se preocuparam com a questão racial por falta de tato. Na verdade, foi por falta de tradução: os textos em que trataram do tema não estavam disponíveis em português. Até agora.
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