Estratégias da desconstrução
Lançado em 2003, o livro Estratégias para a mídia digital, da professora Beth Saad, é de leitura obrigatória para todos os que se interessam pelo fascinante imbricamento entre as tecnologias digitais e a comunicação e a informação. Parece óbvio? Hoje, sim, nem tanto na época.
Então, por partes. Ao discutir casos reais de empresas de mídia, nacionais e internacionais, então entrantes no universo digital, Beth Saad faz um extenso recenseamento das dúvidas que então se colocavam (para) grupos noticiosos que, vindos da informação “analógica”, tentavam se estabelecer no novo espaço digital. E põe dúvida nisso: essas iam desde as propriamente noticiosas -, o que é uma notícia digital? Digital é modo de produção ou suporte? Qual o interesse do leitor por uma notícia digital? - até aquelas propriamente afeitas ao business - como desenvolver o modelo de negócio? O modelo digital é lucrativo? Para ser viável, que estratégia(s) desenvolver?
Logo no primeiro capítulo, Beth Saad lista diversas escolas de planejamento e a recomendação estratégica de cada uma, observando que as possibilidades de combinações são quase infinitas. Se, a essas, forem somadas as abordagens correntes do mundo empresarial (a análise SWOT, para ficarmos em um exemplo), a decisão sobre qual estratégia deveria adotar uma empresa informativa (expressão usada pela autora diversas vezes) para ocupar um espaço na então nascente topologia digital ficava progressivamente complexa.
Desde o início do livro, Beth Saad deixa clara a novidade trazida pelo novo paradigma da tecnologia da informação: nesse novo contexto, é a tecnologia que age sobre a informação, ao contrário do que aconteceu nas revoluções tecnológicas anteriores. Some-se a isso a pressão pela mudança, que vem mais do mercado e do consumidor do que de pressões da própria organização. Não precisaria nem dizer que a tecnologia em questão – a internet – é descrita como sendo de ruptura, o que nós verificamos quando Beth Saad discute como a internet mudou todo o processo de geração da informação, o impacto que isso trouxe e os modelos e processos para a informação digital (capítulo 2).
O capítulo 3, no qual Beth Saad apresenta as experiências nacionais e internacionais de empresas informativas buscando se posicionar na nova topologia digital, é uma espécie de fotografia altamente esclarecedora dos primórdios da internet, época em que o procedimento do launch and learn (lançar primeiro e aprender depois) era quase que padrão. É nesse capítulo que lemos o que estava em jogo no dia a dia da transformação: perda de função das mídias tradicionais; busca de credibilidade para a mídia digital; redefinição do papel do jornalista; a “morte” da informação analógica diante da informação digital, e por aí vai. Os atores desse processo eram The New York Times, AOL, CNN, Financial Times, Tribune, e, no Brasil, Grupo Estado, UOL (Grupo Folha e Grupo Abril), Organizações Globo (não no primeiro momento).
No capítulo 4, Beth Saad propôs um encaminhamento possível para os questionamentos que fervilhavam na época que vai de 1996 a 2002, que podemos resumir em uma pergunta: como uma empresa informativa pode compatibilizar as flutuações naturais da topologia virtual com a necessidade de estabelecer um modelo de negócio viável que, claro, atendesse aos interesses dos internautas?
Sem ser futurista, Beth Saad deixou uma sugestão cuja validade a história posterior a 2003 confirmou. Mas como eu não sou de entregar o presente antes da hora, deixo uma recomendação: que vocês estão fazendo que não leram o livro ainda?