Michel Houellebecq é mais do que escritor: é um maravilhoso e necessário serial killer da literatura. Em pouco tempo, trucidou clichês, senhores feudais e cânones. Impiedoso, trouxe de volta para o romance a violência da vida e a vida da violência. Extensão do domínio da luta foi o seu primeiro texto longo de ficção. Graças a este romance, que imediatamente deslumbrou a crítica e os leitores, Houellebecq entrou na arena dos grandes e executou os pequenos de talento, mas gigantes de pretensão.
A Sulina cumpre, mais uma vez, o seu discreto papel de editora de vanguarda, entregando ao público brasileiro este livro que mudou o curso da literatura francesa dos anos 1990. A mesma Sulina descobriu Michel Houellebecq para o Brasil ao lançar o extraordinário Partículas elementares. Na época, a aventura parecia, aos que só apostam em mercadorias, uma loucura. Hoje, a Sulina pode gabar-se de ter revelado aos brasileiros o melhor escritor europeu da última década.
Se Partículas elementares confirmou e ampliou a fama e o alcance de Houellebecq, Extensão do domínio da luta permanece a sua obra-prima. Nela, o autor prova que é possível fazer literatura de pensamento e de ação, de inteligência e crítica, de força e reflexão. Eis um romance radical que faz da ironia uma arma terrível. Nas tripas do protagonista, uma idéia: “A sexualidade é um sistema de hierarquia social”. Nas páginas, a vida de dentro para fora, numa descrição que mescla realismo cru e poesia de alto nível.
Houellebecq descreve a queda de um homem, sem pieguice, sem melodrama e sem morbidez. Esse homem encarna, em ampla medida, o indivíduo atual, mas a especificidade, bem narrada, faz dele, ainda assim, um caso concreto. Aqui, a literatura encontra, outra vez, a profundidade da arte, conseguindo falar do mundo e do homem num mesmo e contundente discurso. Depois deste romance, escrever bem voltou a exigir coragem e maldição.
Ao contrário do que dizem os lugares-comuns a respeito da literatura francesa contemporânea, Extensão do domínio da luta tem história, é pura história e faz história. Só se pára de ler para rir ou chorar.
Juremir Machado da Silva
Ficção / Literatura Estrangeira / Romance