Mary Nuttal não conhece os pais e acaba de perder a avó, condenada à forca sob acusação de feitiçaria, uma prática imperdoável aos olhos puritanos da Inglaterra do século XVII. Para não ter o mesmo destino, a jovem Mary se vê obrigada a esconder sua identidade e fugir para a América, onde as comunidades fundadas por ingleses começam a prosperar.
Mas a menina ainda precisa manter ocultos os seus dons de clarividência: afinal, os valores religiosos do Velho Mundo, sinônimo de sofrimento e castração aos olhos de Mary, também estão presentes entre os colonos ingleses. A novidade, para ela, será a convivência com os nativos americanos, cuja espiritualidade está diretamente ligada à natureza, num modo de vida que fascina a jovem feiticeira.
Para Mary, a feitiçaria é mais do que a capacidade de "ver coisas". É também uma disposição para aceitar a autonomia individual; é a busca pela aceitação que todo jovem, com ou sem dons mágicos, quer ter. Só que estar aberta para admitir dimensões diferentes da existência é o pior dos pecados numa sociedade que professa a uniformização coletiva a pretexto de obedecer à palavra de Deus.
Narrado do ponto de vista de uma adolescente, Filha de Feiticeira não se restringe a uma visão de mundo meramente juvenil. Traz a idéia poderosa - ou o feitiço, se o leitor quiser - de que independência, emancipação e caráter dependem do modo de cada um encarar as coisas. Em outras palavras, dependem de tolerância - aquilo que Celia Rees prefere chamar de "clarividência".