“Eu não sou poetisa sou poeta/ disse a mim mesma uma e mil vezes/ aos vinte anos/ não sou Tamara sou Kamenszain.”
Poeta ou poetisa?, pergunta a argentina Tamara Kamenszain na abertura deste livro, desdobrando uma série de outros questionamentos em torno do lugar da escrita de autoria feminina dentro de uma tradição literária masculina. Tamara ou Kamenszain?, segue ela, levando-nos a pensar na universalidade da pergunta: dizemos Drummond (e não Carlos), Cabral (e não João), mas Cecília (e não Meireles) ou Adélia (e não Prado). Afinal, o que está em jogo quando mulheres escrevem?
Último livro publicado em vida pela consagrada autora, escrito nos primeiros meses de confinamento da pandemia, Garotas em tempos suspensos evoca uma série de autoras e autores para fazer uma reflexão contundente não só sobre a escrita, mas também sobre as formas de ler a autoria feminina. Vida privada ou pureza textualista?
Sem respostas prontas — buscando, antes, pensar criticamente — Kamenszain chega, com este poema longo e ensaístico, a uma reflexão sobre o próprio tempo da pandemia. Como colocou Edgardo Dobry: “é uma leitura obrigatória para os que se perguntam o que é a poesia do nosso tempo”.
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A palavra feminicídio
não estava entre nós
a palavra muso
não estava entre nós
a palavra vata
não é para nós.
Mas a palavra poetisa sim
embora nos envergonhasse.
Eu não sou poetisa sou poeta
disse a mim mesma uma e mil vezes
aos vinte anos
não sou Tamara sou Kamenszain
me queixei sempre que alguém por escrito
aludia a minha obra me chamando pelo nome.
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