Este livro nasceu da impressão muito viva, sentida não há muito, ao verificar, todo santo dia, a distância entre os conhecimentos relativamente seguros e coerentes, embora parciais e provisórios, elaborados pelos especialistas do desenvolvimento da criança, e a imagem que o público possuía desse desenvolvimento, e de suas condições. Parecia-me chocante, em domínio, há um tempo, tão importante e tão delicado, fosse possível ignorar completamente as contribuições das investigações rigorosas, e fosse possível “viver ao lado das crianças sem nada compreender do, que nelas se passa”. Parecia-me igualmente lamentável que essas contribuições científicas preciosas figurassem, na maior parte, em obras muito especializadas, de acesso geralmente difícil. Ao pôr à disposição do público uma descrição simples e sucinta do desenvolvimento psíquico da criança, esperava contribuir, em certa medida, para reduzir essa distância, cujos efeitos deplorava.
O acolhimento do qual se beneficiou, a despeito de suas imperfeições, esta pequena Introdução, mostra que correspondia, com efeito, a certas necessidades precisas. Há certa razão para pensar que essas necessidades continuam a existir, e que meu objetivo inicial continuou válido, ainda quando, depois da redação desta obra, as idéias e as práticas em matéria educacional tenham razoavelmente mudado, ainda quando a atitude geral dos adultos a respeito das crianças tenha evolvido sensivelmente. Cumpre, aliás, não nos iludamos demais: entre os fatores dessa mudança muitos há que não têm nenhuma relação com melhor conhecimento da realidade infantil. A apresentação de certa maneira de encarar, no conjunto, o desenrolar da infância, fundada na investigação rigorosa, pode, pois, ser útil sempre. Hoje, contudo, sabemos melhor que não se trata, precisamente, senão de certa maneira de encarar o desenvolvimento, e XIII descrevê-lo. Sabemos que várias modalidades desse desenvolvimento dependem, também elas, das condições educacionais, ou mesológicas, que a criança defronte. Certo, a psicologia da criança, como disciplina, igualmente evolveu. Talvez fosse necessário, então, reescrever completamente este livro; haveria de tornar-se, inevitavelmente, livro de todo diverso, mais completo e mais matizado, sem dúvida, mais pessoal, talvez; já não haveria de corresponder, contudo, a meu propósito primitivo.
Revendo a obra, não pude deixar de remanejar assaz profundamente certos parágrafos, que absolutamente não me satisfaziam mais, seja porque o conteúdo não me parecesse mais corresponder aos conhecimentos atuais e às situações de hoje, seja porque a formulação inicial me parecesse pouco feliz. Suprimi certas passagens, tornadas, em verdade, muito discutíveis; introduzi, aqui ou ali, alguns dados novos que me parecia não poderem ser deixados na sombra, no quadro geral do trabalho. Mas, ao cabo de contas, é sempre, realmente, o mesmo livro que o leitor tem diante dos olhos, algo melhorado, espero, e sempre correspondente a seu objetivo inicial.
PAUL OSTERRIETH