iô, de Camila Lourenço, é um alerta íntimo, individual, da nossa relação habitualmente conflituosa com o meio, com o próximo, com o nosso sexo, com o quanto deixamos o masculino nos levar para longe, tão longe a ponto de nos fazer desejar pelo que, a cada dia, esquecemos sem querer esquecer. Para longe do que temos seguro, apego.
Ainda num 2020 pandêmico, este poemário foi se tornando livro. Saiu dos arquivos da autora, bateu nos espelhos de algum satélite, codificou-se em números, percorrendo quilômetros de fios até se mostrar numa tela empoeirada, cansada de muitos anos de uso, para mim, no selo Auroras. O caminho da tecnologia materializou uma inesquecível personagem feita de partes de floresta e de um amor comovente pela natureza de sua própria essência.
Já num 2021 que continua incerto, mas ainda no caminho das reflexões apocalípticas, iô multiplica a sua vida escrita e se espalha com páginas, capa, orelhas, feito planta com raiz longa, pra lá de muitos metros, cavoucando a terra, se comunicando com os inaudíveis sinais que a mantêm viva, esverdeando a decadência dos dias, perfumando a poluição dos tempos, acalmando a reclamação das rotinas.
Dani Costa Russo
Literatura Brasileira / Poemas, poesias