A Rotina dos Túmulos Ambulantes

A Rotina dos Túmulos Ambulantes Luiz Eduardo Cortazzo


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A Rotina dos Túmulos Ambulantes





A rotina dilacera qualquer psicológico, mas ao ser abruptamente rasgada por revelações tão repulsivas a ponto de definirem o que é a crueldade humana, essa vida apática se desmonta. A mente passa a se afundar e se afogar no lodo da decomposição social, tentando libertar-se com o único oxigênio disponível: uma atração irresistível.

Enterre-se profundamente na mente de Orfeu, um homem que está sendo sepultado vivo por sua rotina corrosiva.

Essa repetição venenosa goteja em sua mente, a dissolvendo aos poucos, deixando seus pedaços se escorrerem por entre os bueiros dos becos escuros dos quais ambula como um túmulo oco entregando encomendas seladas e misteriosas. A ilegalidade dessa tarefa reverbera aos berros, mas a cidade toda se cala ensurdecida com os passos ecoantes do entregador solitário.

Seu emprego sufoca o poema dessa sua vida sem rima, resumida em poucos versos repetidos, porém, toda rotina tem um fim e, assim, naquele dia, a primeira caixa misteriosa foi aberta, despejando segredos sobre sua mente esburacada, encharcando-a com o esgoto da perversidade humana. Uma nova rotina surgiu, pois ele finalmente percebeu que cada segredo escancarado servia para enterrá-lo intencionalmente nas covas de seu deserto mental.

Aprendeu que a crueldade se uniu à criatividade para criar em cada caixa os pedaços deformadores de emoções e, aos poucos, sua rotina entediante foi sendo inundada e alterada, e ele mesmo passou a ser embrulhado com pensamentos recheados de tormentos pegajosos, afogando-se na maldade da humanidade.

Mas nem todas as sombras acortinam terrores, e Orfeu logo se apaixonou por aquela mulher quando tombou sobre a escuridão das vastas esmeraldas que aformoseavam seu rosto de coração. Era inevitável aquele olhar cruzado se destrançar, mas a essência do tempo desacelerou só para eles se fitarem sozinhos. Não houve um segundo em que ele não desejou despejar-se naqueles lábios recheados de pecado borrado. A tristeza os unia e os desunia espiralando constantemente e, assim, Orfeu desabava no abismo de sua insanidade, nessa espécie de horror psicológico colorido por tons de drama sentimental.

Orfeu deixará ser enterrado em sua rotina destrutiva, como um túmulo, ou alguma semente sepultada aos seus pés ramificará algum caminho colorido?

Ficção / Horror / Literatura Brasileira / Suspense e Mistério

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