"Amei durante muito tempo uma dama a quem chamarei de Aurélia. E que perdi para sempre. Pouco importam as circunstâncias desse evento que devia ter uma influência tão grande em minha vida. Cada um pode buscar em suas lembranças a emoção mais pungente, o golpe mais terrível desferido sobre a alma pelo destino; há então que se resignar a morrer ou viver — direi mais tarde por que não escolhi a morte. Condenado por aquela a quem amava, culpado de uma falta cujo perdão não tinha mais esperança, só me restava lançar-me em exaltações vulgares. Fingindo alegria e indiferença, corri o mundo loucamente apaixonado pela instabilidade e pelo capricho". Gérard de Nerval foi um dos maiores poetas e intelectuais do Século XIX; homem de vasta cultura, conhecia profundamente a literatura alemã, de onde realizou importantes traduções, como a famosa versão teatral do "Fausto" de Göethe. Sua saúde mental começa a piorar em 1841, quando é abandonado pela atriz Jenny Colon, por quem era apaixonado. "Aurélia" e "Pandora" foram escritas no auge da esquizofrenia que devastou seus últimos anos de vida. [Nota do tradutor Paulo Hecker Filho] "Em Pandora (e Aurélia) há um quadro vivo da desrealização esquizofrênica, ainda valorizado pela figura do título, que aparece pouco, mas tirana como os esquizos costumam ver os outros, e tirana até o humor, até a arte. E Aurélia é o clássico, o relato exaustivo das divisões do eu, que prolongam ao corpo e ao resto do mundo, dos esquizos, com suas superstições de autodefesa que logo se vêem esvaziadas. O terror é que o esquizofrênico se mantém humano, e talvez não haja melhor documento disso que Aurélia. Quase tudo o que se sabe sobre a desgraça humana se apequena perto do que ocorre dentro da alma esquizofrênica".