Balthus Zaminski é um bicho-papão muito especial. Bonito, inteligente, rico, sensível. Só que, como todo bicho-papão que se preze, adora comer criancinhas. Transforma-se até em um sofisticado cozinheiro, criando receitas e descobrindo os segredos da arte de preparar os pirralhos: o peso e a idade ideal de um bebê para um saboroso guisado, as diferenças de sabor entre um menino e uma menina, entre um loiro e um moreno, os melhores pedaços de uma criança e quais devem ser preparados como fricassê, assado ou ensopado. Enfim, um expert no assunto.
Só que depois que seu pai morreu, Balthus ficou entregue aos cuidados de Carciofi, um antigo empregado que ganhou plenos poderes para educar o pupilo. E o tutor nunca aceitou o regime alimentar do rapaz. Este até que tentou mudar seus hábitos: fez dieta vegetariana (aaaargh!), psicanálise, entrou para Os Papões Anônimos – uma associação muito parecida com Alcoólicos Anônimos –, arranjou uma namorada. Tudo em vão. Parece que deixar de ser papão é mais difícil do que abandonar o cigarro.
A narrativa de Pascal Bruckner em Bichos-papões anônimos é tão saborosa e chocante como seus conselhos sobre a arte de preparar bebês. Com um pé no surrealismo, desenvolve um conto à maneira das histórias infantis, mas sem preocupações moralistas ou didáticas. Mesmo assim, o autor do premiado ensaio A tentação da inocência e do instigante Lua de fel, transformado em filme por Roman Polanski, não esquece suas críticas amargas ao individualismo contemporâneo, ao medo e à fraqueza, como formas de recusar a maturidade, à confusão entre liberdade e capricho.
A sátira ferina do escritor à sociedade também está presente no segundo conto, O apagador, que nos remete a um tema brilhantemente questionado no romance Ladrões de beleza: a formosura e a juventude podem ser consideradas uma afronta merecedora de punição? O protagonista, Paul Folcone, é um químico velho, feio e infeliz, que odeia tudo aquilo que seja belo e feliz. Um dia, por acaso, descobre uma fórmula capaz de apagar a beleza. E começa a usá-la nas crianças de seu bairro, apagando seus rostinhos sorridentes. Quando a receita falha com um menino, chega a hora de Folcone reavaliar seus valores e sua vida. Um fio de esperança na compaixão humana mostra um lado terno e menos cético do brilhante romancista e ensaísta.